De boas intenções está o inferno cheio
O Filipe Moura, em resposta a este meu ‘post’ e aproveitando o que escrevi aqui, conclui estar o liberal apenas “preocupado consigo mesmo, com a sua própria reforma (e eventualmente a da família) e com a de mais ninguém”. No entanto, o Filipe simplifica demasiado, não apenas as diferenças entre o liberalismo e o socialismo, bem como aquilo que pretendi dizer. A forma simplista como o Filipe trata o problema denota uma enorme confusão.
Comecemos pelo princípio. Neste ‘post’, fiz referência à reforma que os filhos pagam aos pais por ter sido esse o argumento do Eng. Cravinho. Um raciocínio enganoso porque quando se diz que os mais novos não querem descontar para o actual sistema da segurança social, eles não estão (como o fez crer o Eng. Cravinho) a recusar-se a pagar a reforma dos seus próprios pais. Apenas não pretendem continuar a confiar parte do seu salário para um bolo comum, que não é rentabilizado, nem sequer alguém sabe a quem é entregue. Ora, o Eng. Cravinho fez crer existir uma ligação directa entre o contribuinte e o beneficiário quando esta não existe. Esse ‘engano’ de Cravinho é grave por ser, precisamente, essa uma das críticas feitas ao actual sistema.
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Por sua vez, o Filipe parece acreditar que o socialismo se preocupa com uma reforma digna para os cidadãos que trabalharam. Colocar as coisas nestes termos é fácil, populista e profundamente demagógico. Vejamos: No entender do Filipe, todos têm direito a uma boa reforma porque paga por todos. Fácil! Esta atitude é populista ao desresponsabilizar os cidadãos que contam que o Estado lhes assegure um rendimento razoável para a velhice. Para quê poupar se depois teremos uma reforma ‘digna’? É também demagógica por três motivos: Em primeiro lugar, as pessoas têm direito a reformas não apenas porque trabalharam, mas também porque tiveram certos cuidados. Acreditar que apenas devido ao trabalho já temos direito a tudo, é errado. Nem todos os direitos são inatos às pessoas, mas resultam do nosso comportamento. Em segundo lugar, o Filipe assume-se (com a sua ideologia) um solidário que pensa nos pobres. Como quer ser solidário e não o consegue sozinho, pretende obrigar quem não concorda com ele. Ou seja, o Filipe assume-se solidário (que ele próprio decide no que se deve traduzir), mas com o dinheiro dos outros. Sucede que o socialismo, com este feito, não é mais ou menos solidário que qualquer outra ideologia. A solidariedade não nasce à força, pelo que, ao pretender fazê-lo, o socialismo atinge o despotismo e a tirania. É aterrador denotar no subconsciente do Filipe a forma como pisa os direitos mais elementares da pessoa humana, apenas para atingir os fins que considera correctos. Por fim, é bom de ver que o actual sistema da segurança social não protege os pobres, mas sim os seus grandes beneficiários. Uma classe média de média idade que bem podia (caso não fosse forçada a descontar para o actual sistema) planear a sua reforma de outra maneira.
Pretender delinear o seu futuro faz parte da natureza humana e impedi-lo uma das maiores violências que o Estado, hipocritamente, infringe às pessoas. É violenta, porque forçada. Hipócrita, porque em nome de valores que o Estado não tem nem lhe cabe ter.
por André Abrantes Amaral @ 10/11/2006 09:55:00 da manhã
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