A barreira constitucional
A direita portuguesa saiu das últimas eleições convencida que precisava de mudar. O assunto já foi abordado em vários textos no Sinédrio, no Acidental e aqui pelo André Amaral. No entanto e embora mencionem várias questões fundamentais, não creio que identifiquem claramente a principal causa do insucesso dos dois governos PSD/CDS-PP. É verdade que a direita não sabe qual é a sua voz política. É evidente que a direita portuguesa só poderá ter sucesso se recusar claramente o papel de "corrector cíclico e permanente" da esquerda e assumir sem equívocos um projecto de reforma. Mas para que isso seja possível terá primeiro de exigir um "jogo limpo" democrático, que lhe permita aplicar um programa claramente diferente dos programas socialistas e social-democratas.
A esquerda defende ciosamente o "monopólio da virtude política" por todos os meios ao seu alcance, desde a simples propaganda até ao controlo estatal da educação. Mas de todos os entraves, há um que constitui uma barreira impeditiva da apresentação de projectos políticos de direita em condições de sucesso eleitoral: a constituição.
Para que seja possível aplicar em Portugal um verdadeiro programa reformista de direita, há necessariamente que alterar a constituição, definidora das regras do jogo. Sem isso, não poderão nascer projectos políticos alternativos aos "socialismos". Mas com o equilíbrio de representação política saído das últimas eleições legislativas, o PSD é "irrelevante" do ponto de vista da reforma constitucional e obviamente não será a esquerda a tomar tal iniciativa. O PS só viabilizará uma reforma constitucional se não lhe restar outra hipótese. A direita tem duas alternativas: aguardar quatro anos para voltar onde estava há dois anos atrás, ou perceber a importância crucial de eleger Cavaco Silva em 2006.
Graças à dissolução da Assembleia "a pedido" existe agora um precedente interessante. Luciano Amaral, entre outros, já percebeu a importância estratégica do facto, mas faz uma interpretação estritamente "pessimista" do acto presidencial, ao considerar apenas a possibilidade de uma futura dissolução enfraquecer (ainda mais) o regime político (ver "O Precidente", no Acidental). No entanto, o próximo presidente a eleger terá um novo argumento estratégico: a ameaça de dissolução. O futuro presidente não precisa necessariamente de dissolver a Assembleia, pode usar a ameaça credível de o fazer para pressionar o PS a aceitar medidas políticas que de outro modo jamais aceitaria na presente legislatura.
À cabeça dessas medidas está a revisão constitucional. Sem promover uma reforma constitucional será quase impossível pôr fim ao "monopólio da esquerda" sobre o poder político. No entanto, basta que o governo socialista se apresente daqui a dois anos claramente enfraquecido no apoio popular medido na "tele-democracia" para que o futuro presidente tenha um argumento político para interromper a legislatura. Se essa ameaça for credível (e com Cavaco Silva na presidência sê-lo-á certamente) o PS poderá muito bem não ter por onde escolher. Ou aceita a contragosto uma revisão constitucional para "comprar" tempo político de governação, ou bebe o cálice de "cicuta presidencial" que Sampaio amavelmente ofereceu ao governo de Santana Lopes. A direita bem pode agradecer ao Dr. Sampaio por, inadvertidamente, lhe ter proporcionado a melhor possibilidade de uma revisão constitucional a curto prazo.
por FCG @ 3/02/2005 10:58:00 da manhã
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