29.8.06

Sobre a detenção de Paulo Dâmaso

Em países governados pela prepotência legislativa, há que ter em conta a lógica da “captura da renda económica”. Muitas das disposições legislativas são aprovadas não para serem observadas, mas precisamente para serem contornadas. O burocrata, protegido por um poder político arbitrário, não espera que os alvos da legislação se conformem ao estorvo insuportável e injustificável. Espera, pelo contrário, que este seja suficientemente grande, para que alguns cidadãos estejam dispostos a fazer algo que possa “facilitar as coisas”. Não espera, apenas —conta com isso; não é uma consequência acidental do processo legislativo —é intencional. E quando alguém anda distraído, nada como chamar-lhe a atenção para as “regras” do jogo. De preferência, com uma humilhação pública memorável, à vista de todos. Para exemplo e memória futura.

Até quando continuarão os portugueses sem questionar a profusão de licenças administrativas? São necessárias? Para quê? Para quem? Admita-se a hipótese limite, que todas são necessárias para o “bem comum” (admita-se ainda que estamos de acordo quanto à natureza substantiva do bem comum). Ainda assim permanece a questão: porquê pagar — e bem— pelos benditos papelinhos? Autorização e cobrança não são acções dissociáveis? Se estamos a pagar serviços implicitamente solicitados (inspecções e outros) que se paguem por taxas municipais explícitas. Se não, por que raio continuar a aceitar que o Estado imponha toda e qualquer arbitrariedade e depois se arrogue à prepotência de cobrar pela autorização?

Questionado sobre o eventual abuso de poder na detenção de Paulo Dâmaso, rematava o burocrata, exibindo um copo apreendido, com ar triunfante: “este copo —parece-lhe limpo?!...” Não, sr. Comissário, está sujo. Insuportavelmente sujo.