Se
Imutável e sempre em mudança
Era Raymond Aron quem dizia que a esquerda é imutável e ao mesmo tempo está sempre em mudança. O espírito seria sempre o mesmo, mas na sua aplicação à realidade ele faz a esquerda dar constantes voltas de 180 graus. O que a esquerda já defendeu e depois deixou de defender e depois voltou a defender e depois deixou de defender, sempre com a mesma boa consciência, arrogância, ligeireza e insulto contra quem não defende o mesmo é algo que não cabe nos volumes todos da Enciclopédia Britânica.
Por exemplo, a moda entre a esquerda, ultimamente, é acusar a administração Bush de irresponsabilidade, por a sua operação iraquiana estar na origem de uma guerra civil no território. Falta mostrar que exista mesmo uma guerra civil, mas também ninguém nega que a situação por lá possa para aí descambar. Mas também não é isso que me interessa neste momento. Interessam-me mais outras guerras civis que poderão estar a nascer pelo mundo. Uma delas é a timorense.###
Ainda não começou e rezemos para que não comece. Mas não seria caso para acusar a esquerda, que tanto brandiu a causa timorense contra o “fascismo” indonésio e a malfeitoria de Kissinger, de irresponsabilidade, por defender a independência de um território que manifestamente não tinha capacidade para viver de forma tranquila em democracia? De resto, seria já a segunda vez que a esquerda ajudaria à eclosão de uma guerra civil em Timor. Como quando, entre 1974 e 1975, ajudou a criar praticamente do nada o independentismo timorense (ou seja, a FRETILIN) e, depois disso, o favoreceu de tal forma (em desfavor dos partidos que defendiam a associação com Portugal ou a associação com a Indonésia) que deu origem a uma guerra civil a que só a invasão indonésia poria termo. Claro que seria. Mas a esquerda nunca tem problemas de consciência. Porque a esquerda tem sempre razão e só pratica o bem.
A outra guerra civil é a palestiniana. Parece que os palestinianos, mal se lhes dá um bocadinho de território para administrarem, logo se lembram de começar à pancada uns com os outros… Não é de uma irresponsabilidade histórica colossal ter apoiado décadas a fio o surgimento de um estado palestiniano, quando claramente os palestinianos não estão preparados nem para a independência nem para a democracia? De resto, a irresponsabilidade vem de há muito tempo, pois não foi a esquerda que apoiou a criação do estado de Israel? Já ninguém se lembra, mas o sionismo original tem uma grande componente socialista, partilhada pelo seu fundador, David Ben-Gurion, e que deu origem à famosa instituição do kibbutz. Já ninguém se lembra, mas quem ajudou Israel na chamada Guerra de Independência, contra o Egipto, a Jordânia, a Síria, o Líbano e o Iraque não foram os EUA, mas sobretudo a URSS e a Checoslováquia socialista. Não foi de uma grande irresponsabilidade criar aquele cancro no Médio Oriente? Não, claro que não. A esquerda só pratica o bem.
Importa pouco, agora, que umas causas mereçam apoio e outras não. O que importa é notar a atitude de infalibilidade irresponsável que a esquerda sempre se atribui a si própria. É essa atitude que impede a discussão séria. O que também não é um problema, pois a verdade é que ela não quer discutir nada. Apenas perorar e afirmar a sua bondade e razão absolutas.
por Anónimo @ 5/26/2006 01:36:00 da tarde
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