Sobre os Círculos Uninominais
(Este post resulta da adaptação de dois posts, um bastante recente, outro mais antigo, sobre este assunto, ambos publicados aqui)
O João Miranda toca num ponto interessante, quando se refere ao "caso" das faltas dos deputados. De facto, mais importante que as faltas em si, é a falta de responsabilização do comportamento dos deputados. Faço uma pequena comparação com Inglaterra. Há alguns meses, George Galloway, deputado, entrou numa das muitas versãos do Big Brother lá do sítio. Durante várias semanas, faltou ao Parlamento. Acima de tudo, porque pode. Não precisa de estar lá todos os dias, só vota naquilo que quer votar. Mas o registo dos seus votos é público. O facto de ter faltado quando se deu uma votação importante relativa à sua circunscrição eleitoral é conhecida. E como, em Inglaterra, os deputados são eleitos em círculos uninominais, os seus eleitores, plenamente conscientes do comportamento do seu representante, poderão, nas próximas eleições, penalizá-lo. Votar noutro candidato. George Galloway faz aquilo que muito bem lhe apetece. Mas será responsabilizado directamente por isso. Os nossos deputados fazem o que o partido lhes manda, sem qualquer forma de serem pessoalmente responsabilizados pelo seu comportamento. Os maus não são penalizados, e os bons não são recompensados. A mediocridade, obviamente, ganha.
A ideia é velha. O Governo, recentemente, deu-lhe ar de novidade. A possibilidade de alterar a lei eleitoral para criar círculos uninominais é hipótese há muito defendida por (quase) tudo o que é liberal, criticado por tudo o que é partido pequeno, e com atitude dúplice por parte dos dois maiores. Sempre olhei com cepticismo para essa possível alteração. Mas olhei com mais do que olho hoje.
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Os círculos uninominais têm vantagem óbvias. Ao votarmos num candidato, num só candidato, ele passa a ser responsabilizado directamente, o que resulta numa maior responsabilização também do próprio eleitor. Responsabiliza o deputado porque o obriga a fazer campanha de "porta-a-porta", apresentando-se como candidato aos seus eleitores de forma directa. Impediria a substituição directa e de forma obscura de um deputado que sai por um outro que ninguém sabe quem é. Com círculos uninominais, a saída de um deputado implica uma eleição intercalar no círculo pelo qual foi eleito. Dá-se maior margem de independência ao deputado, visto que este passa a ter maior legitimidade democrática para desobedecer às ordens do partido. E responsabiliza o eleitor porque essa maior proximidade lhe permite conhecer melhor o que cada um dos candidatos a representá-lo propõe. Para além de que facilitaria a formação de maiorias absolutas, e portanto, aumentaria as condições de governabilidade.
Reconheço todas essas vantagens. E tendo o caso inglês como modelo, tudo me faria inclinar para esta opção. Mas, e sem querer parecer o dr. Portas, Portugal não é o Reino Unido. A nossa falta de cultura democrática, mais, de cultura liberal, poderia transformar as vantagens dessa proximidade nas desvantagens da demagogiazinha caciquista. O deputado que é eleito para defender os interesses da "terra", ou melhor, os empregos estatais (ou subsidiados pelo Estado) da "terra". Basta olhar para algumas das nossas Câmaras Municipais para termos uma amostra do que poderia ser o nosso Parlamento. E o caso de Daniel Campelo permite-nos não ter de ir tão longe sequer. Daí o meu cepticismo.
Mas reconheço que a situação está a chegar a um ponto insustentável. A quantidade de deputados que saem e entram sem os cidadãos darem por isso, quanto mais saberem quem eles são. O controlo quase total, ou total mesmo, por parte das direcções dos partidos, do sentido de voto dos seus deputados. O desprestígio do Parlamento, cada vez maior, e cada vez mais perigoso. Tudo isto me leva a pensar que não sendo perfeitos, os círculos uninominais seriam uma melhor opção que o actual estado de coisas. E mesmo o eventual caciquismo, a eventual demagogia da "defesa da terra", seria também da responsabilidade dos cidadãos. Aquilo que a prudência aconselharia a funcionar como uma diluição do poder, evitando a sua concentração, para evitar "ditaduras da maioria", em Portugal, transformou-se numa total diluição da responsabilidade. É esse quadro que precisa de mudar.
Mas essencialmente, o que precisaria ser alterado seria todo o papel, cada vez mais degradado, do Parlamento. Criar uma sessão semanal, em vez de mensal, de perguntas ao Primeiro-Ministro, sem agenda definida pelo governo, mas sim com total liberdade de escolha de tema a cada um dos deputados. Atribuir-se maior margem de manobra às oposições. Criar a obrigatoriedade dos Ministros de um governo terem sido eleitos como deputados nessa legislatura. Aumentar os vencimentos dos deputados. E não ceder cada vez maiores responsabilidades legislativas(as de um Parlamento) à "Europa". Uma maior saúde da nossa democracia teria de passar por aqui. Os círculos uninominais poderiam ajudar. Mas só por si, seriam insuficientes.
por Anónimo @ 4/20/2006 10:53:00 da tarde
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