22.3.06

Pontos de Fuga

Os Senhores do Cifrão

Uma das primeiras críticas que os argumentos liberais enfrentam, é o da hiper valorização da liberdade económica na definição e concretização de políticas liberais ou liberalizantes. Quando confrontada com outras liberdades, como a política ou social, a liberdade económica tende a ser desvalorizada sob a aparência de aspecto menos digno ou menos humano da nossa natureza. A dimensão política, cultural e social assumem, pelo contrário, um lugar cimeiro e muito citado na hierarquia das preocupações civilizacionais. Neste prisma, os liberais são encarados como homezinhos do cifrão, preocupados apenas com números e desligados das preocupações inerentes a uma completa e integral realização da dignidade da pessoa humana.

A verdade é que, como salientou Friedman, a influência da liberdade económica sobre todas as outras dimensões do homem é tão importante e essencial, que pode dizer-se que a liberdade política, social e cultural é incompatível com restrições inadmissíveis da liberdade económica. Uma visão de política comparada permite afirmar que os países que preferiram derivas economicamente estatizantes se caracterizaram, na sua esmagadora maioria, por serem países politicamente autoritários, totalitaristas ou donos de frágeis democracias.
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Uma sociedade assente na liberdade económica, num mercado livre e aberto, sem constragimentos artificiais, permite um robustecimento da iniciativa privada e um fortalecimento da capacidade interventora dos indivíduos. Se cada um puder despender os seus esforços onde, como e quando quiser, com as restrições inerentes às colisões de liberdades, todas as áreas da vida política, social e cultural passam a amplificar o seu objecto e âmbito. Deixaremos de ter apenas um meio de comunicação, uma cadeia de supermercados, uma igreja, um banco... em suma, deixamos de ter apenas um ou dois fornecedores por cada área de intervenção. E se assim é, deixa o Estado de poder impor um modelo, uma ideologia, uma particular visão sobre o Mundo e sobre o que deve ser a vida em sociedade. Alcançando o domínio económico, o Estado alcança também e por consequência o domínio político, social e cultural.

Em países com liberdade económica satisfatória, o Estado não tem capacidade de impor a censura, de coarctar direitos civis, de violar os direitos humanos ou de se aventurar em devaneios totalitários. E se o fizer, se arriscar, rapidamente a liberdade económica se encarrega de encontrar outros titulares do poder. Não havendo só jornais oficiais, bancos oficiais, igrejas oficiais ou teatros oficiais, muito dificilmente o Estado poderá desviar-se no sentido do autoritarismo ou de assim permanecer durante décadas.

Por outro lado, uma sociedade livre economicamente encontra novas necessidades e novas perspectivas às quais quer dar seguimento. São novos livros, novas técnicas, novas filosofias, novas abordagens, que despertam uma consciência crítica, de inovação e de desafio. Para as poderem seguir, os indivíduos necessitam de liberdade política, cultural e social. São os próprios “homens economicamente livres” que, em pouco tempo, passam a exigir uma liberdade ampla e total. Não é possível dizer a um indivíduo que pode investir na publicação do que quer que seja, sem quaisquer entraves, e depois impedi-lo de publicar ideias distintas das do regime. Não é possível abrir o sector da comunicação social e manter uma ideologia oficial. Além disso, as estatísticas têm confirmado regularmente a prosperidade que advém da liberdade económica. É essa liberdade, que permite ao indivíduo saciar as suas necessidades básicas e evidentes e depois alcançar novos estádios de progresso, podendo dedicar mais tempo e esforços a outras necessidades e à resolução de outros problemas. Evidentemente que há excepções a este estado de coisas, e poderemos falar delas, no seguimento deste post.

O que eu gostaria de trazer aqui, no seguimento do que eu já disse na minha casa, é que os liberais não são desumanos nem pretendem ser os homens dos cifrões, com um coração de tio Patinhas em forma de moedinha n.º 1. Para já, porque o mercado aberto é um espaço de liberdade, sem coacções, composto única e exclusivamente por acções humanas, sendo por isso conatural à existência humana, derivando directamente da nossa identidade. E depois, porque acreditamos seriamente que há uma íntima relação entre a liberdade económica e a prosperidade económica, social, política e cultural.
A liberdade económica, como prioridade, demonstra por isso, uma atenção particular às necessidades de realização integral do indivíduo. Os liberais apenas entendem que é a liberdade económica o caminho mais seguro e mais eficiente para uma sociedade mais próspera, onde se realizem as dimensões de liberdade de cada um. Não será, por isso um discurso fácil, e implica muitas vezes o recurso a estatísticas, a números, a demonstrações factuais. Mas é, pelo menos, um caminho concreto e apurado, que não pode ser criticado com recurso a pré-compreensões ou derivas demagógicas.