23.2.06

O cisma económico

[A]s economias da Europa desenvolvida parecem repetir a paralisia dos anos 70 (com honrosas excepções: Irlanda, Espanha e, menos, Grã-Bretanha e Escandinávia). Não admira que, hoje, os 15 países mais ricos da UE estejam à mesma distância dos EUA a que estavam nos anos 60 (cerca de 70% do PIB per capita), e a aumentar. Vá lá saber-se porquê, ninguém tem muitas ideias sobre isto. Já sobre o "desastre iminente" da economia americana multiplicam-se os diagnósticos. Claro que nenhum episódio de prosperidade é eterno, e também este chegará ao seu termo. Mas há uma década que se ouvem vozes muito sabedoras anunciar para amanhã o abrandamento, senão mesmo o colapso americano. São diversos os sinais para que apontam: a impossibilidade de manter os chamados défices gémeos (o externo e o orçamental), a ausência de poupança na sociedade americana, a incapacidade dos salários para acompanharem o crescimento geral da economia. Acontece que nada disto é exactamente verdadeiro. Ninguém ainda provou qualquer relação entre os dois défices; a poupança na sociedade americana é muito significativa, só que feita de forma não convencional, através da aquisição de activos, como acções bolsistas ou casas novas; alguns salários podem não ter subido tanto quanto o PIB em geral, mas o assalariado americano depende hoje menos do seu salário e mais da valorização daqueles activos.

A verdade é que os americanos continuam a navegar uma onda de prosperidade inaugurada pelas reformas económicas de Reagan há 25 anos. Desde então que conhecem uma expansão cujas interrupções foram apenas breves e cujo ritmo acelerou na última década. Curiosamente, quase ninguém menciona o verdadeiro perigo para esta prosperidade: a extraordinária expansão da despesa pública durante os mandatos do actual Presidente Bush. A menção é rara por duas razões: primeiro, porque nega a ideia tradicional de Bush (a de um furioso "neoliberal") - afinal, a maior parte destes gastos foi destinada a fins chamados "sociais". Depois, porque ninguém vê nela um perigo. Ora, pode muito bem ser por aqui que Bush venha a trair a herança "reaganiana", ajudando a pôr termo a um dos mais notáveis episódios económicos contemporâneos.