24.6.05

O desrespeito da Lei

Durante 16 anos (1986-2002), o documento livrou de condenação um número ainda indeterminado de políticos, magistrados, diplomatas, e agentes de forças de segurança, que pelas infracções de trânsito que cometeram foram apenas alvo de participações por escrito aos respectivos superiores hierárquicos.(...)A missiva foi distribuída ao dispositivo territorial e à Brigada de Trânsito da GNR, ordenando que todos os condutores infractores cujas qualificações profissionais ‘encaixassem’ nesta directiva fossem apenas identificados e alvo de uma participação aos respectivos superiores hierárquicos. A norma previa infracções cometidas ao volante de carros do Estado e viaturas particulares.
Como é possível num estado de direito que esta circular tenha estado em vigor durante tantos anos, tendo terminado só quando a Judiciária começou a fazer detenções na BT? Como é possível que os órgãos fiscalizadores do funcionamento do estado e da justiça não tenham dado por ela? A resposta poderá parecer óbvia, mas não quero crer que houvesse uma tão alargada conivência. Não quero crer.

Comentando o assunto, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses afirma:
Qualquer tratamento de excepção, que até pode ser bem intencionado, é manifestamente ilegal. Ninguém está acima da lei.
O presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público lembra (tal como tinha feito o presidente da ASJP) a possibilidade de os beneficiados desconhecerem que o eram. O presidente da Comissão Parlamentar de Ética descansa-nos sobre a igualdade perante a lei:
Fora do que está previsto na lei e de tudo o que diz respeito aos cargos políticos, os deputados são apenas cidadãos.
Finalmente, o comandante da GNR que redigiu a circular, que vigorou durante 16 anos, comenta:
Tratou-se de uma circular feita por um órgão de soberania, a GNR, em atenção a outros órgãos de soberania. A participação feita em sequência à infracção nunca implicou o perdão automático da multa.
A GNR é um órgão de soberania?!?
Aproveito para lembrar o artigo 110º da Constituição da República Portuguesa:
Artigo 110.º
(Órgãos de soberania)

1. São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembleia da República, o Governo e os Tribunais.

2. A formação, a composição, a competência e o funcionamento dos órgãos de soberania são os definidos na Constituição.
O respeito pela lei e a sua aplicação pelos agentes e tribunais deveria ser uma das poucas coisas onde o Estado deveria aplicar os recursos que colecta aos contribuintes.