3.6.06

pequena fuga

Corporativismo, Educação e Guerra de Classes

1. A semana que terminou foi fértil em polémicas relativas a privilégios corporativos, tendo sido visadas em particular as classes dos Arquitectos aprovados pelo Estado e respectiva Ordem, e a dos Farmacêuticos aprovados pelo Estado e respectiva Ordem.

A argumentação contra o corporativismo baseia-se no conceito de liberdade individual— empresarial, laboral e contratual& incluindo a liberdade de discriminação e discernimento privados e de estabelecimento livre de cláusulas de salvaguarda e responsabilização dos intervenientes, em complemento de outras disposições legais—, assim como no reconhecimento que o corporativismo é uma falácia e um disparate económico, adverso a qualquer “interesse público”.

Mas há quem defenda ou (ainda) acredite que o estabelecimento estatal de monopólios é garante de "qualidade", e que a sociedade profissional tem de ser regida por padrões nacionais, definidos e supervisionados por entidades centrais, para o bem colectivo. Que no meio está a virtude e que algum estalinismo até é benéfico.

2. É penoso analisar porque é Portugal o país dos "doutores e engenheiros" . Não há como não reconhecer que o país nunca cultivou uma cultura amiga da liberdade, responsabilidade individual e iniciativa privada.

Toda uma sociedade raciocina de acordo com a concepção infantil que a sociedade se faz de senhores de bata, de beca, de capacete das obras, de régua de escalas, de almofariz, de batuta, de giz, de avental, e assim por diante… e é assim que tem de ser. E que num país de mandriões e malandros, o que seria de nós sem o Estado para zelar pelo que nos acontece.

Como corolário, declara-se que cabe ao Poder conceber e levar a cabo a organização e reorganização do tecido profissional nacional. Que o Ensino deve formar tantos profissionais para tal horizonte de tempo, segundo tal estudo oficialmente adoptado pelos Ministérios, omnisciente quanto ao futuro e plenamente confiante na capacidade do Estado de fazer o futuro acontecer segundo o seu Plano.

3. Que o "sistema" seja um fracasso não é surpresa para quem já reconheceu noutras áreas da Economia e da sociedade os efeitos nefastos do estatismo mais ou menos absoluto.

O defeito é estrutural— responder à sociedade, um sistema infinitamente complexo, com planos centrais determinísticos é receita para o desastre, ou limitação das liberdades individuais— mas é agravado pelo corporativismo patrocinado pelo Estado, para "pacificação social". Por meio de numerus clausus e restrições à admissão e exercício da profissão, algumas classes profissionais são dimensionadas em número insuficente para as necessidades apercebidas pela sociedade; outras existem em super-abundância.

Quando se lida com o Ensino com ferramentas de Socialismo de Guerra, obtêm-se resultados análogos: recursos sem qualquer relação com a realidade de uma sociedade livre e espontânea; escassez; batalhões de profissionais formatados para obedecerem e serem obedecidos.

4. É um imperativo acabar com o estalinismo educacional. O Ensino é uma actividade que interessa a toda a sociedade, ávida de obter os melhores meios o mais racionalmente quanto possível. Não faltam incentivos à iniciativa privada para providenciar os melhores resultados aos melhores preços, e com menores custos— se o Estado não tudo controlasse.

À argumentação que a iniciativa privada também não sabe o que é o "melhor" para o "futuro"— pese o enviesamento construtivista desta opinião— é preciso responder que é verdade.

Mas é flagrante que devem ser recompensados aqueles que demonstrarem, na escolha da sua formação, uma melhor previsão do futuro— são esses os pioneiros que puxam pelos restantes; quem escolher formações sem futuro tem que assumir responsabilidades pela sua opção pouco precavida.

A todos, um mercado de Ensino liberalizado teria a oferecer formações mais polivalentes e mais reconhecidas como úteis à sociedade. Um sistema espontâneo como este não dependeria de intermediários burocráticos e políticos, e responderia aos sinais do mundo laboral com interessada eficiência.

5. Sobretudo, a liberdade do indivíduo para melhorar a sua condição depende da liberdade laboral— da possibilidade de explorar os seus talentos em áreas não limitadas pela sua formação académica.

A corrida ao privilégio do Estado não é mais do que a face visível do corporativismo, a nova Guerra de Classes. As vítimas são os consumidores, os contribuintes, os trabalhadores empreendedores, e toda a cultura de um Portugal feito confortavelmente subserviente e inerte.

Acabar com privilégios corporativos é um imperativo. Liberalizar a entrada de novos profissionais, organizações e empresas, e delegar ao mercado o reconhecimento do valor e da qualidade. Que o Estado se limite ao estabelecimento das "regras do jogo", independentes dos "jogadores"— regras abstractas, objectivas e necessárias; e à arbitragem imparcial do cumprimento das mesmas, por via da Justiça.