Os sinos dobram por nós
A magia do Mundial
Sou daqueles apreciadores de futebol que apenas se manifestam no Mundial. Aqui não há discussões fúteis sobre a arbitragem, nem divagações idiotas de quem não sabem articular uma frase. De quatro em quatro anos, países como Trinidad e Tobago conseguem ter torcedores, que até então desconheciam a sua existência, em qualquer parte do planeta. Durante o escasso período de um mês, está reencontrada a pureza do desporto rei.
Desde o meu primeiro Mundial, em 1982, que assisto a esta competição de duas formas bastante distintas. Por um lado, acompanho os jogos com a total liberdade de quem não torce por qualquer das equipas, mas por quem merece vencer. Rejubilo com todos os golos, independentemente de, e contra quem sejam. O que conta e vale são boas jogadas e as melhores vitórias. Totalmente livre de quaisquer constrangimentos, assisto às partidas na busca do puro gozo de quem quer espectáculo, mas não se envolve. Há aquele egoísmo de quem vê a brincadeira de cima e não quer saber. O fim dum jogo, é o acabar do interesse. Nada mais fica que a recordação de 90 minutos bem passados.
Por outro lado, manifesta-se em mim aquela parte da personalidade humana que exige entrega e, naturalmente, requer sofrimento. Aqui, como todos os que em miúdo se maravilharam com Zico e os petardos de Eder, estou, por muito que apoie Portugal, com o Brasil. É a selecção canarinha quem sabe jogar, é o país verde e amarelo quem sabe fazer a festa. Não são apenas os bons toques de bola e as mais belas jogadas, mas a alegria inerente a cada vez que o Brasil pega no jogo. A satisfação pura de quem tão ingenuamente se diverte com algo tão inocente quanto meter uma bola dentro de uma baliza com redes. Não é apenas a perfeição que está em causa. Refiro-me à vontade mais desinteressada de ganhar a que alguma vez teremos o privilégio de assistir.
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Sucede que se o jogo brasileiro é simples e bonito, os vícios da nossa mente não têm cura e a forma como desvirtuamos a coisa é atroz. Rapidamente, e para bem da alegria brasileira, dou comigo a desejar a rápida eliminação das melhores equipas. Que a Itália, França, Argentina e Alemanha não passem a primeira fase, é meio caminho andado para o sucesso. A Inglaterra é tolerada, mas até certo ponto. O futebol da Suécia é apreciado, mas até determinado momento e a famosa fúria espanhola, que tanto gosto dá a quem a assiste, tem uma certa graça quando se extingue. O Mundial de futebol tem esta vantagem. De quatro em quatro anos, criamos toda uma estrutura racional que não tem qualquer raciocínio que a explique, nem qualquer razão que a consiga entender. A possibilidade de se estruturar a irracionalidade sobre algo tão inofensivo quanto deveria ser o futebol, é o grande trunfo de quem vê nesta prova da FIFA, a desforra de uma vida em que damos demasiadas satisfações sobre a nossa existência. Quem o quiser entender, que entenda. Quem disso não for capaz, deixe por aqui a leitura deste texto e não ligue aos dois parágrafos que ainda faltam.
O Mundial dá azo a dois tipos de comportamentos que jamais consegui entender. A eterna paixão pelo futebol italiano e o sempre presente ódio que muitos portugueses nutrem pelo escrete canarinho. Desde que Rossi levou às costas uma fraca squadra azurra até ao título de campeã, que todo o remate de um qualquer coxo italiano é classificado de brilhante e a táctica pusilânime dos transalpinos entendida como sublime. Tendo ganho o troféu em 1982 e na já longínqua década de 30, a qualidade do futebol italiano é um mito que me transcende.
O outro comportamento é, como já referido, o ódio que em Portugal se nutre pelo Brasil. O fenómeno está intimamente ligado à estranha tese de apoiar os mais fracos, unicamente por serem piores. O desejar a derrota brasileira só é compreensível quando se aceita a inveja como possível. Se nós não ganhamos, não vençam eles também. Como se atrevem a ter já 5 títulos e a comparecer em 7 finais? A ideia de um povo que vive nos trópicos e habita nas favelas nos bater aos pontos, torna-se um pesadelo principalmente quando fala português. Ver o Brasil vencer e os portugueses a contorcerem-se pela sua derrota, é o sinal maior da pequenez dos que ficaram neste jardim plantado à beira-mar.
por André Abrantes Amaral @ 6/21/2006 10:04:00 da manhã
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