Segurança Social: em busca da sustentabilidade?
Em busca da sustentabilidade?
A mais recente “reforma” do regime de pensões da Segurança Social anunciada pelo Governo tem como propósito anunciado assegurar a sustentabilidade financeira do sistema até 2050. Curiosamente, têm-se acumulado ao longo dos últimos anos “reformas” que, nas palavras dos seus promotores, permitiriam garantir a sobrevivência da Segurança Social nas próximas décadas, o que levanta, por si só, fortes dúvidas quanto ao conceito de “sustentabilidade” subjacente.
Na verdade, essas sucessivas “reformas”, longe de caminharem no sentido de um regime de pensões verdadeiramente sustentável, apenas visam adiar por mais alguns anos a ruptura do actual sistema. Para compreender a raiz do problema da (in)sustentabilidade do regime de pensões da Segurança Social em vigor é preciso ter em conta que a maior parte das contribuições pagas pelos trabalhadores no activo é imediatamente gasta para pagar as despesas actuais. O sistema hoje existente assenta na transferência directa das contribuições obrigatórias dos trabalhadores no activo para os pensionistas, sem que haja capitalização desses recursos para fazer face às obrigações futuras que será preciso honrar quando os actuais trabalhadores se reformarem. As pensões futuras dos trabalhadores, que hoje são obrigados a financiar o sistema, dependem, não da capitalização das suas contribuições acumuladas, mas da possibilidade de a Segurança Social conseguir extrair receitas suficientes à geração de trabalhadores seguintes.
Um regime de pensões com estas características nunca se pode considerar verdadeiramente “sustentável”, já que as obrigações do sistema para com os trabalhadores no activo não se encontram cobertas por activos correspondentes. Num contexto de expansão demográfica e de esperança de vida substancialmente inferior à actual, a falta de cobertura era compensada pelo elevado rácio de trabalhadores no activo por cada beneficiário, que permitia fazer face às contínuas pressões políticas para aumentar os gastos do sistema sem gerar uma ruptura. No entanto, com o aumento da esperança de vida e a estagnação demográfica, a insustentabilidade do sistema torna-se manifesta.
A esta luz, é mais fácil compreender o significado dos dados do relatório governamental sobre a sustentabilidade da Segurança Social. Quando se prevê que o sistema contributivo apresente um saldo negativo já a curto prazo, isso significa que a totalidade das contribuições provenientes dos trabalhadores no activo não só não serão capitalizadas como serão insuficientes para pagar as pensões dos actuais beneficiários do sistema. No mesmo relatório, prevê-se que o magro Fundo de Estabilização Financeira (que cobre apenas uma ínfima parte das reais obrigações de longo prazo da Segurança Social) se esgote já em 2015. Estes dados estão a servir para justificar mais uma “reforma” que segue o padrão habitual: alterar as regras do jogo introduzindo uma nova fórmula de cálculo que penaliza os futuros pensionistas. Se persistirmos no actual modelo insolvente de Segurança Social, o adiamento da ruptura passará necessariamente por novas “reformas” com cortes adicionais nas pensões, aumento da idade de reforma e um eventual agravamento da já pesadíssima carga fiscal.
A alternativa seria confrontar o problema central do sistema, dando aos trabalhadores a possibilidade de dirigirem as suas contribuições (ou pelo menos parte delas) para contas individuais de capitalização. Dessa forma, as poupanças de cada trabalhador seriam investidas e utilizadas para o pagamento das suas pensões quando atingissem a idade de reforma. Para além da regulação do sistema, o Estado poderia garantir o pagamento de uma pensão mínima a todos os reformados, devendo no entanto a componente redistributiva do sistema ser integralmente separada das contas individuais de capitalização, de forma a salvaguardar a sustentabilidade da Segurança Social.
Só através de um novo modelo de funcionamento, assente num sólido pilar de capitalização, será possível assegurar um regime de pensões viável a longo prazo. Trata-se de uma solução politicamente difícil mas é provavelmente a única verdadeiramente sustentável.
Publicado na Dia D de 19 de Junho de 2006.
por André Azevedo Alves @ 6/21/2006 01:58:00 da manhã
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