1.6.06

Fiscalidades

O Helder publica dois posts, aqui no Insurgente, sobre matérias fiscais, que me merecem alguns comentários:

Fiscalidade Automóvel (Portugal V Espanha): as regras sobre a fiscalidade automóvel são distintas, pelo que não é possível estabelecer um paralelismo exacto; o preço final das viaturas deve ser comparado caso a caso. O que posso afiançar é que, à saída (preço final), em Espanha as viaturas são muito mais baratas, desde logo porque o IVA é de 16% (e não de 21%), e porque o Imposto Automóvel (que funciona como imposto de matrícula) é muito inferior (embore a diferença varie em função do tipo de viatura). A isto acresce que em Portugal se verifica um facto único de dupla tributação económica, na medida em que o IVA incide sobre o preço-base da viatura acrescido do IA (ao contrário dos restantes países que têm IA - nem todos o têm - onde o IVA incide apenas sobre o preço-base). Noto que em Portugal a tributação automóvel representa 1% do PIB; enquanto que em Espanha representa 0,1% do PIB. Os preços-base das viaturas em Portugal são mais baixos do que em Espanha, fenómeno normal, na medida em que está demonstrado que os países com tributações mais altas no automóvel são os que têm preços-base mais baixos: os Estados induzem a este comportamento dos agentes, e ainda canibalizam esta eficiência do mercado.
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Modificações à Sexta Directiva: A alteração do Princípio do Destino para o da Origem vai mexer com o jogo de criação do preço, mas porque as especificidades estatais a isso conduzem, e não porque desapareça qualquer "isenção": as transacções intracomunitárias estão hoje isentas de IVA, mas o adquirente tem de seguida de liquidar IVA no País de Destino quando introduz o bem no consumo; o facto de se alterar o princípio, e o IVA passar a ser devido na Origem apenas modifica o destinatário final da receita fiscal, mas não o custo fiscal da operação. O preço poderá oscilar, sim, mas porque existem diferenças significativas de taxa entre os diversos Estados-membros; altera-se ainda o beneficiário da receita; as novas regras favorecem as economias exportadoras em relação às importadoras: o IVA pode passar a recompensar o Estado de quem produz e não do que consome. Em alguns casos pontuais pode haver operações que passem a sofrer uma maior incidência de IVA, mas apenas porque a mudança das regras arrasa algumas lacunas e interpretações que conduziam à inexistência de tributação no caso de operações bem trianguladas, sem expressão contudo em Portugal, Estado periférico, mas com algum peso económico sobretudo na Europa Central, onde o factor proximidade e a integração económica permitiam que se explorassem, dentro da legalidade (em alguns casos confirmadas pelo Tribunal das Comunidades), soluções fiscais muito interessantes, em diversos sectores; reduz-se ainda o risco de fraude, embora esta seja imprevisível, pois a imaginação dos agentes é sempre um factor a ter em linha de conta. Uma coisa é certa: a "guerra" em redor das alterações à Sexta Directiva não gira à volta do aumento global da receita do imposto (nem todos os Estados-membros estão com as contas públicas em "roda livre"); pretende-se, sim, adaptar o regime legal às mudanças, torná-lo mais simples na cobrança e eficaz no combate à fraude, o que não significa que, no final, alguns Estados não venham a ser beneficiados em detrimento de outros.

O Estado português, aliás, terá de estar particularmente atento, pois o equilíbrio das contas públicas depende demasiado do IVA e da sua performance - este é o imposto "campeão" de receita - e algumas das regras aventadas podem limitar, no nosso contexto, as actuais bases tributáveis. A aposta no crescimento económico e no equilíbrio da receita fiscal assente no consumo - de que Bagão Félix foi o mais recente artífice, beneficiando conjunturalmente este governo - é, neste contexto, frágil, não só porque funciona apenas como paliativo de curto prazo, mas também pelos efeitos nefastos que poderá ter perante a mudança de paradigma: caso se passe a recompensar fiscalmente os Estados que produzem e exportam, avizinham-se dificuldades adicionais.

Rodrigo Adão da Fonseca