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Clearstream of unconsciousness
Foi eleito como o primeiro presidente anti-fascista do século XXI, com 80% dos votos, esquerda e direita juntas, para impedir a vitória de Jean-Marie Le Pen. Esteve na vanguarda da luta contra o imperialismo americano, na altura da guerra do Iraque, em nome da “superioridade da civilização europeia” face à “barbárie americana”. Prestou-se a um número gerontocrático, ao estilo da ex-URSS, aquando da morte de Yasser Arafat. Namorou os mais diversos regimes radicais islâmicos. Namorou a esquerda europeia e latino-americana, em nome de uma “outra” globalização, mais precisamente a “alter-mundialização”. Quis fazer da UE a nova superpotência mundial, capaz de enfrentar os EUA. Quis dotar essa nova superpotência da respectiva Constituição. Em tudo isto se revelou patético. Agora, arrisca-se a cair pelos motivos que merece: uma sinistra telenovela, envolvendo pagamentos obscuros e a utilização dos serviços secretos para fins políticos pessoais e do seu capanga, o Primeiro-Ministro Dominique de Villepin.###
Chirac está a braços com um escândalo que ameaça obrigar Villepin a demitir-se e, vendo bem, deveria obrigar Chirac a fazê-lo também, caso se comprovem as suspeitas que sobre ambos recaem. Brevemente, qual é a história? Parece que o grupo industrial Thompson-CSF terá vendido em 2001 umas quantas fragatas ao governo de Taiwan. Nada de especial, não fosse dar-se o caso de terem surgido denúncias anónimas de que, para a boa concretização do negócio com aquela empresa, alguns políticos foram beneficiados com umas comissões depositadas em contas da sociedade financeira luxemburguesa Clearstream. Entre eles, encontrar-se-ia Nicholas Sarkozy, a nemesis gaullista interna de Chirac. Estas denúncias terão surgido por volta de 2003, quando Dominique de Villepin era Ministro dos Negócios Estrangeiros. Segundo se vai sabendo, Villepin terá insistido junto do general Phillipe Rondot, dos serviços secretos franceses, para que ele fizesse tudo para incriminar Sarkozy. Sarkozy vem dizendo que tudo isto não passou de uma montagem e que nunca recebeu comissões. Villepin diz que nunca pediu especial atenção a Sarkozy. Mas, perante o juiz que investiga o caso, Rondot veio confirmar a insistência de Villepin, dizendo de resto, baseado em notas tomadas numa reunião com o próprio Villepin, que o grande objectivo político daquilo que lhe era pedido seria a destruição política de Sarkozy. Mais disse o general que Chirac não só estava a par de tudo como teria sido ele próprio o motor do pedido.
A história é trágica e, a ser verdadeira, demonstrativa do extraordinário cinismo em que caiu a classe política gaullista, nesse magnífico paraíso que é a França da V República. Toda a minha gente se entretém a contar e comentar as maiores irrelevâncias que irão destruir a administração Bush. Mas um país que vive semanas com os subúrbios a arder, meses com as universidades devolvidas à violência de rua e, agora, com as mais altas individualidades envolvidas num inenarrável caso de deliquescência política, não merece atenção de especial. Se, num dia não muito distante, desaparecer a V República, i.e., a única e verdadeira república gaullista, só será surpreendido quem quis.
por Anónimo @ 5/05/2006 11:43:00 da manhã
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