10.5.06

Pontos de Fuga

Nos corredores do Congresso do CDS vociferou-se contra os liberais que queriam alegadamente desvirtuar a matriz originária do CDS: a democracia cristã. Não vejo qualquer problema nisso mas a verdade é que só por artes mágicas de Freitas do Amaral e muita insistência de Paulo Portas é que se cristalizou a ideia de que o CDS nasceu para ser um partido democrata cristão, ainda que aberto, numa espécie de caridade, aos liberais e conservadores.

As artes mágicas de Freitas e insistência de Portas deram os seus frutos. Mesmo os que durante os anos de Manuel Monteiro vociferaram contra a democracia cristã acreditam hoje, contra o passado e contra a sua própria história, que a democracia cristã é a trave mestra, única e inabalável, do património ideológico do CDS. O máximo que admitem, do alto da sua esfinge de guardiões do templo, é umas breves referências e ideias liberais ou conservadoras.

Mas essa convicção tão arreigada, que tem servido para adiar o debate ideológico, não está sustentada, antes desmentida, pelos factos históricos que suportam a fundação do CDS. Gostava de brevemente os partilhar convosco, para depois concluir pelo quase embuste da cristalização democrata cristã na direita portuguesa. ###

Como diz Maria José Nogueira Pinto, o CDS foi uma encomenda da esquerda e resultou essencialmente das grandes pressões do poder revolucionário que entendiam ser essencial a existência de um partido moderado, liberal e centrista. A definição que Freitas do Amaral faz do CDS, nessa altura, rezava o seguinte: “partido do centro, de tipo neo-liberal e de inspiração giscardiana”.

No primeiro comício do CDS, em Agosto de 1974, Freitas do Amaral definiu o CDS como o partido que defende a liberdade de iniciativa, preconiza o sector privado amplo, robusto e empreendedor e é reformista.

Segundo as palavras de Freitas do Amaral, o CDS distinguia-se do PSD por ser um partido de centro e não de esquerda, neo-liberal e não social democrata e favorável à economia de mercado mas não ao socialismo.

De acordo com as memórias de Freitas do Amaral, os primeiros partidos que o CDS decidiu contactar foram os Republicanos Independentes de Giscard d’Estaing e o Partido Conservador britânico de Margaret Tatcher.

Nem o nome do partido, Centro Democrático e Social, nem qualquer um dos documentos ou declarações públicas iniciais do CDS incorporaram qualquer referência à doutrina democrata cristã. Mas ainda que o nome do partido não evocasse a democracia cristã, sempre as declarações de princípios e outros documentos ou intervenções políticas poderiam ter apontado no sentido da identificação do partido com a democracia cristã, assumindo-se o partido como o herdeiro português dessa grande corrente partidária mundial. Mas não foi isso que sucedeu.

Haverá outras conclusões legítimas, mas para mim a conclusão que retiro dos primeiros momentos fundacionais do CDS, é que este partido não era, não nasceu para ser e não pretendia ser democrata cristão. O que nos traz a pergunta: como surge a democracia cristã na vida do CDS?

A democracia cristã aparece nada mais nada menos do que pelas mãos de um director de uma empresa holandesa de consultoria e marketing político. Freitas do Amaral e Amaro da Costa estavam preocupados com a salamização partidária que vinha sendo operada à direita pelo processo revolucionário e decidiram contratar uma empresa que lhes encontrasse uma internacional partidária que assegurasse protecção internacional ao CDS.

Foi essa homem que sugeriu, feito o panorama geral, a União Europeia das Democracias Cristãs (UEDC), integrada na mais vasta União Mundial das Democracias Cristãs. Freitas do Amaral terá reconhecido que conhecia mal as democracias cristãs europeias (estamos em Outubro de 1974 e o CDS foi fundado em Julho) e, segundo o próprio conta, bombardeou o consultor da empresa com inúmeras perguntas. Tendo Freitas do Amaral ficado agradado com as respostas, o CDS lá assinou o seu pedido de adesão à UEDC. O próprio Programa do CDS, finalizado dois dias depois da admissão na UEDC, omite a referência à democracia cristã, à doutrina social da Igreja, a textos bíblicos ou eclesiásticos.

Foi assim pela mão de uma empresa de marketing político que o CDS descobriu os partidos democratas cristãos. Como uma estratégia de marketing se enraizou e quase fez esquecer os momentos fundacionais do partido são outras histórias e outros pormenores, que ficam para outro dia.