10.5.06

Os sinos dobram por nós

O novo eixo?



A nacionalização dos hidrocarbonetos ordenada por Evo Morales, está intimamente ligada à sua aproximação a Fidel Castro e a Hugo Chavez. O objectivo é viabilizar uma cooperação económica e militar entre os três, contra o Tratado de Comércio Livre que os EUA propõem para a região. O argumento de Castro e companhia é simples: Contra o imperialismo americano, nacionalizar, nacionalizar. É certo que os respectivos povos pagarão um preço bastante alto, mas um problema bem mais complicado pode surgir se estes três senhores encontrarem simpatias na China ou na Rússia.

John Mearsheimer, no seu livro ‘Tragedy of Great Power Politics’, entende que toda a grande potência anseia alcançar hegemonia regional e impedir que outros consigam feito idêntico. Assim é com os EUA que têm hegemonia no continente americano e não querem que russos, nem chineses, alemães ou quaisquer outros, sejam hegemónicos nos seus respectivos continentes. A pretensão de domínio do continente americano ficou bem expressa, pelos EUA, na célebre Doutrina Monroe, aliás só totalmente realizável quando, em 1902, Theodore Roosevelt teve meios para impedir o bloqueio que Grã-Bretanha e a Alemanha tentaram impor à Venezuela.

Se há cem anos os norte-americanos alcançaram a hegemonia no seu canto do mundo, já precisaram de todo o século XX para impedir que outras potências conseguissem o mesmo feito nos seus continentes. Assim foi com a Primeira e a Segunda Guerra Mundiais, ao derrotarem a Alemanha e o Japão. Tal sucedeu com a Guerra Fria e a capitulação da URSS que tinha procurado o domínio na Europa e na Ásia. O feito norte-americano é, aliás, único na história. De tal forma singular, que é objectivo primordial de qualquer potência emergente dar cabo dele. A ascensão da China e, possivelmente, também da Rússia, não lhes deixa outro caminho que não seja o lutar pelo fim da hegemonia dos EUA no continente americano. Para pôr termo à doutrina Monroe, o apoio a Cuba, Venezuela e Bolívia, é um bom começo, não esquecendo ainda que Pequim precisa de petróleo barato.

É muito importante ter em conta estas possibilidades, além da reacção que os países europeus irão ter quando tal acontecer. A Europa não se afastou dos EUA apenas no dia 11 de Setembro mas, pelo contrário, a aliança atlântica é que foi uma excepção. Coral Bell, no segundo número da revista ‘American Interest’, alerta para a possibilidade de a União Europeia se aliar à Rússia, como forma de contrabalançar o poder norte-americano. Uma aliança não obrigatoriamente institucionalizada, mas bem capaz de irritar Washington, de dificultar a vida a países de tradição atlântica como o nosso, mas que pode ser tentadora para quem deseja um espaço económico europeu forte, além de garantir o fornecimento de energia à Europa e enfraquecer os EUA.

São meras suposições. Naturalmente. Mas com Chaves e Morales nas más companhias de Castro, o futuro não se mostra muito risonho. Se a China (que, como mencionei, precisa de petróleo) e a Rússia se meterem ao barulho, ele será negro. O novo eixo pode colocar em risco a doutrina Monroe norte-americana. Se tal suceder, a América terá de rever as suas prioridades no mundo, criando vazios de poder facilmente preenchidos por russos e chineses. A ver vamos como tudo corre.