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Put your oil where your mouth is
Certamente por ter assuntos mais relevantes para tratar, a imprensa ocidental decidiu em grande medida ignorar o escândalo do famoso programa “Petróleo por Comida”, criado e instalado pela ONU, supostamente para aliviar as dificuldades humanas mais graves resultantes das sanções impostas pela própria ONU ao Iraque a seguir à Guerra do Golfo de 1991. Continuam a sair notícias sobre o assunto, mas é preciso realmente tropeçar nelas quase por acidente, metidas que estão para o fundo dos jornais, para dar conta. É o caso desta, onde se fala do exame judicial ao antigo Ministro do Interior francês, Charles Pasqua, decidido por um juiz. Pasqua consta de uma extensa lista de suspeitos que poderão ter beneficiado da atribuição ilegal de barris de petróleo por Saddam Hussein (onde se incluem também o deputado inglês George Galloway, a OLP e outros amigos do tirano, havendo mesmo alguns indícios não conclusivos envolvendo o próprio Secretário-Geral da ONU e o seu filho). Em vez de servirem para trocar por comida, estes barris teriam servido para trocar por outros serviços menos nobres. Na notícia, o antigo conselheiro diplomático de Pasqua, Bernard Guillet, é apresentado como tendo dito perante o mesmo juiz: “Tarik Aziz disse-me que o Iraque queria agradecer a Charles Pasqua […] [a sua pressão no sentido] do levantamento das sanções”, acrescentando que existia “um projecto de contrato […] [com] dois, três ou quatro milhões de barris [de petróleo] destinados a Pasqua”.###
É evidente que ainda há muito por esclarecer acerca da dimensão da fraude, mas o relatório da Comissão Volcker, nomeada para investigar os seus contornos, oferece já muito material para onde olhar. Basicamente, sabe-se que imensos pagamentos feitos pelo Iraque sob a forma de petróleo, para serem trocados por comida e medicamentos, acabaram noutros destinos, apesar da supervisão da ONU. Ou talvez se devesse dizer: por causa da supervisão da ONU. A supervisão pertencia ao secretariado da organização (i.e., era directamente dependente de Kofi Annan), que criou e nomeou o OIP (Office of Iraq Program), dirigido por Benon Sevan. Estranhamente, o OIP deixou Saddam escolher as companhias a quem vendia o petróleo. Ou talvez não seja tão estranho, sabendo nós agora da existência de suspeitas de que também o coordenador do OIP, Benon Sevan, tenha beneficiado de uns presentinhos de Bagdad.
O Relatório Volcker tem quase 1000 páginas, registando todas estas malfeitorias. Nelas se mostra que a fraude rondará qualquer coisa como cem mil milhões de dólares, o que a transforma numa das maiores fraudes económicas de sempre. Uma fraude que explica muita da miséria humana no Iraque durante o período das sanções (ao mesmo tempo que o ditador e os amigos estrangeiros enriqueciam); uma fraude que descredibiliza fatalmente a ONU; uma fraude que pode também ajudar a explicar a posição de certas pessoas e países perante a guerra do Iraque. Nomeadamente, mostrando como muitas dessas pessoas e países se opuseram à guerra, e se mostraram favoráveis à permanência da tirania saddamita, pelas mesmas razões de que a Administração Bush foi acusada: a rapina petrolífera do Iraque.
Poucas histórias poderiam ser mais deprimentes. Deve ser por isso que ninguém fala dela.
por Anónimo @ 4/12/2006 12:39:00 da tarde
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