Democracy must be something more than two wolves and a sheep voting on what to have for dinner. - James Bovard
27.4.06
O homem que era quinta feira
N’A Dois Há seguramente melhores formas de passar um final da manhã de Domingo do que a ver o canal televisivo formerly known as RTP-2. Agora responde pela designação informal “A Dois” e tornou-se uma espécie de parque temático da cidadania, composto por “vozes e sensibilidades” cuidadosamente seleccionadas pela tutela política em função da sua representatividade neo-corporativa e da importância das causas, desde que suficientemente pudicas e inócuas, de forma a gerar uma ficção de sociedade civil tolerável para o estado socialista.
No horário dominical da Dois pontifica o programa Olhar o Mundo, dedicado à política internacional e apresentado pela jornalista Márcia Rodrigues. Na edição do último fim de semana a jornalista entrevistou o general Loureiro dos Santos. Um general na reserva que passa tanto tempo a opinar na televisão como outros reformados passam no jardim a jogar damas, não é um grande contributo para a diversidade das vozes da sociedade civil.
Mas há uma boa razão para a insistência. In a nutshell, que é como quem diz, numa concha de maluco (tenho aprendido imenso com as traduções televisivas) Loureiro dos Santos sabe “coisas.” Coisas que mais ninguém sabe. No Domingo passado, o general extraiu algumas dessas preciosas informações do seu alforge de sabedoria.###
Informou-nos que George W. Bush se prepara para fazer no Irão o mesmo que fez no Iraque (sic); e que os EUA usarão armas nucleares tácticas para neutralizar os programas nucleares iranianos. Por entre notícias tão preocupantes, uma esplêndida e inesperada novidade: o Irão só construirá armas nucleares se for atacado. Como é que o general Loureiro dos Santos sabe isto tudo? Tal como Yoda, cuja semelhança facial com o general é certamente mais do que uma coincidência, the wise wisdom have. Ask why you shall not.
Por isso limito-me a sugerir que alguém se encarregue de fazer chegar as novas a quem delas necessita; tal como na famosa carta do presidente McKinley para o general Garcia, sem perguntar como. Aos peritos militares e analistas, convencidos que com armamento convencional é possível inutilizar os bunkers nucleares iranianos e que a utilização de armamento nuclear seria desastrosa. Aos políticos e diplomatas que perdem o sono com a ameaça de um Irão nuclear. Aos que já não acreditam que seja possível parar o relógio nuclear, como Alan Dershowitz. Céptico quanto à capacidade do ocidente em enfrentar uma guerra com o Irão, considera a obtenção da arma nuclear por Teerão como uma “inevitabilidade.”
A todos Loureiro dos Santos sossega e garante, imperturbável, que os ayatollahs são inofensivos e não pretendem armas nucleares, desde que não sejam atacados. Evocando outra alta patente militar em circunstâncias momentosas, é só fumaça. Quando Chamberlain se encontrou com Hitler, viu um homem desejoso de paz e em quem se podia confiar. Loureiro dos Santos não precisou de se encontrar com Ahmadinejad para chegar à mesma conclusão. Este ter-lhe-á aparecido em sonhos, rodeado por uma aura de luz, falando do seu desejo ardente de uma paz honrosa. Só espero que tenha comunicado com Loureiro dos Santos em inglês, ou que o general não se tenha perdido na tradução do farsi. Seria trágico se os teocratas iranianos não atribuíssem à “paz,” ao “desejo ardente” e à “honra” os significados do costume.
Finalmente está esclarecida a urgência com que a teocracia iraniana desenvolve mísseis balísticos de longo alcance: deseja fazer chegar a sua mensagem de paz rapidamente ao maior número possível de ocidentais.
Um valioso serviço Já me preparava para digerir tão substanciais novidades, quando Loureiro dos Santos se aliviou de mais uma estrondosa opinião. Ao comentar a exigência de demissão do Secretário de Defesa Donald Rumsfeld, feita por seis generais na reserva, considerou que estes reformados tinham prestado um valioso serviço à Nação (deles).
Os elementos das Forças Armadas têm o dever de não exprimir publicamente opiniões políticas. Nesta matéria, a linguagem ético-política dos direitos e liberdades não é adequada. Depois, um pedido de demissão não é uma “opinião” política como outra qualquer. A gravidade do desrespeito do dever é agravada porque a exigência de demissão tem como alvo o responsável político a que os militares contestatários estavam subordinados. Ao fazerem-no em contexto de guerra tornaram um acto imoral (violação do dever ético) e politicamente ilegítimo (subversão de um princípio fundamental do regime democrático) num acto anti-patriótico. Neste ponto, Charles Krauthammer tem toda a razão: facções politicamente dissidentes dentro das Forças Armadas são típicas de repúblicas das bananas. Numa democracia liberal, as Forças Armadas subordinam-se ao poder político, não o contrário.
Políticos, analistas, cidadãos em geral têm toda a legitimidade para reclamar a demissão de Rumsfeld, a construção de uma estátua em sua homenagem em Bagdad, ou outra coisa qualquer. Os militares não. Se o presidente norte-americano entender que deve demitir o Secretário da Defesa, que o faça. E na minha opinião faz muito bem, ainda que tal não esgote a questão da responsabilidade política pelo sucedido depois da vitória militar no Iraque. Ironicamente, a pressão criada pela exigência dos militares tornou-se um impedimento a uma eventual demissão de Rumsfeld. A acontecer será sempre interpretada como um sinal de fraqueza política, não como um sinal de clarividência.
Este planeta é um sítio complicado. A esquerda americana que aplaude a “coragem” dos militares reformados argumenta que se estes fossem ouvidos, o curso da guerra seria diferente. A última vez que este argumento foi usado foi durante a guerra do Vietname e na altura não era um argumento de esquerda. Quem, por conveniência táctica, desenterrou esta teoria, certamente não se recordará das armas sugeridas pelos militares para por fim ao conflito do Vietname. Mas não é difícil adivinhar.
Aparentemente nem sequer se recordam que foi através de uma lei de JFK, aprovada em 1962, que os EUA se comprometeram a apoiar militarmente os países asiáticos sob a ameaça do comunismo. Durante a presidência de Kennedy o contingente militar americano no Vietname atingiu os 16000 soldados; na administração de LBJ eram mais de meio milhão. Se já se esqueceram da letra, ao menos podiam lembrar-se do refrão (hey, hey LBJ....).
A propósito de JFK, o historiador Arthur Schlesinger Jr. — uma das vozes políticas mais respeitadas nos EUA, publicou um artigo de opinião aconselhando George W. Bush a seguir o exemplo de Kennedy na crise dos mísseis de Cuba. Para além de um argumento (mais do que) duvidoso sobre a compatibilidade da estratégia de dissuasão nuclear com o princípio de “contenção” enunciado por George Kennan, Schlesinger precisa de compreender que não foi a prevalência dos “civis” sobre os militares que solucionou a crise de Cuba: foi a racionalidade comum de americanos e soviéticos. E é precisamente a dúvida fundada sobre a racionalidade do oponente que dificulta a escolha de estratégia a seguir para lidar com a ameaça nuclear iraniana.
Quanto a Loureiro dos Santos, está mais habituado a países onde os militares organizam jantares de “desagravo” quando não gostam das decisões políticas do ministro da Defesa e onde os magistrados pretendem ditar a política de Justiça ao ministro. Ou talvez sejam só saudades do tempo em que os militares falavam, do Conselho da Revolução, onde alguns patriotas entretanto remetidos para os arquivos da vergonha histórica também prestavam valiosos serviços à Nação.
A mãe é um pássaro
Ubiquity. The gift or power of being in all places at one time, but not in all places at all times, which is omnipresence, an attribute of God and the luminiferous ether only. This important distinction between ubiquity and omnipresence was not clear to the mediaeval Church and there was much bloodshed about it. Certain Lutherans, who affirmed the presence everywhere of Christ's body were known as Ubiquitarians. For this error they were doubtless damned, for Christ's body is present only in the eucharist, though that sacrament may be performed in more than one place simultaneously. In recent times ubiquity has not always been understood – not even by Sir Boyle Roche, for example, who held that a man cannot be in two places at once unless he is a bird.
Ambrose Bierce
A burocracia britânica não espera que os encarregados de educação tenham o dom da ubiquidade, tão-pouco o divino atributo da omnipresença. Limitam-se a esperar que, como os pássaros de Sir Boyle Roche, possam estar regularmente em dois sítios ao mesmo tempo.
Só em função dessa expectativa se compreende a decisão da autoridade escolar de St. Albans, Hertfordshire. O burocrata de turno informou Tracy Clarke que apenas um dos seus dois filhos poderá frequentar a escola local a partir de Janeiro. A outra criança será obrigada a frequentar uma escola diferente, a considerável distância. A decisão tornará a vida da família Clarke num pequeno inferno logístico e é tanto mais bizarra quanto se tratam de gémeos com quatro anos de idade, que nunca estiveram separados desde o dia em que nasceram.
Os prejudicados pelo livre arbítrio e pela obtusidade burocrática têm de estar em dois lados ao mesmo tempo; os burocratas responsáveis por decisões grotescas como esta, nunca estão em lado algum.
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