Os sinos dobram por nós
O ponto de vista chinês
A visita da semana passada do presidente russo, Vladimir Putin, à China, obriga-me a voltar a este país. O Ocidente está cada vez mais apreensivo com o poderio amarelo e tem boas razões para tal. Seria, no entanto, importante que analisássemos a ‘coisa’ numa perspectiva diferente, ou seja, no ponto de vista chinês. Se pensarmos ‘à chinesa’, percebemos algumas das suas necessidades e estamos aptos a compreender um pouco do que pode acontecer nos próximos anos. Ao fazê-lo, deparamos com um país, não direi assustado, mas inquieto com o futuro. Ora, tal realidade, ao contrário de nos agradar, leva-nos a aumentar os nossos receios. O perigo é a espiral do medo.
Imagine-se o leitor, líder da República Popular da China. Um país com uma economia florescente, crescimento económico avassalador e uma espantosa melhoria no nível de vida das populações. À partida, tudo parece feito para o fazer sorrir e sonhar com um mandato fácil. Mas não. Os problemas são inúmeros e as ameaças espreitam a cada oportunidade.
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Comecemos com o exterior. Depara-se com uma enorme orla marítima e uma potência do outro lado do mundo (EUA) a rondar as suas águas. Pior, a aconselhar que esqueça recuperar a pequena ilha de Taiwan que desde o século XVII é sua. Para melhor exemplificar esta impotência marítima temos a questão das Ilhas Spratly, relativamente às quais o seu poderoso país ainda não consegue fazer valer o seu ponto de vista sobre pequenos estados como o Vietname, a Malásia e até mesmo as Filipinas. Há o Japão que, após ter invadido o seu território há pouco mais 60 anos, parece não esquecer o orgulho dos feitos militares e se mostra nervoso com o seu desenvolvimento. A par de tudo isto, ainda tem a Coreia do Norte que, a desmembrar-se fará surgir nas suas fronteiras um amigo americano. Existem também fronteiras com a Rússia e a Índia (esta cada vez mais próxima dos EUA). Em suma, lidera uma nação atada.
Internamente, os problemas não são menores. A riqueza que aumenta a cada dia, exige alimento. Essencialmente petróleo e gás, tudo energias que não existem na China e que se têm de ir buscar a locais onde há anos não põe os pés e os contactos são pequenos ou quase nulos. Outro problema são as expectativas que vão crescendo no país. Todos sabemos que faz parte da natureza humana ‘o querer mais’. É pois natural que os seus colegas do partido receiem que as exigências superem a subida do nível de vida. Para que tal não aconteça é preciso que a economia cresça cada vez mais depressa e a uma velocidade constante, ou seja, sem crises nem ‘estados de alma’.
Julgo que depois desta pequena visão do que teria pela frente, a sua perspectiva enquanto líder daquele grande país se ensombrou um pouco. E com razão. Se não é fácil governar um estado, menos ainda será fazê-lo a partir de Pequim. A saída para a sobrevivência, à primeira vista, é só uma e traduz-se na ofensiva. O conseguir mais recursos, mais poder, mais dinheiro e cada vez mais influência. É a isto que, acredito, vamos assistir nos anos mais próximos. Uma cada vez maior agressividade chinesa. E por muito que o chefe da política externa australiana tente o contrário, a República Popular da China apenas se integrará nas instituições internacionais se, e quando, tal lhe aprouver e satisfazer. Até lá viveremos uma crise de crescimento. Se sairmos dela sem que uma grande guerra deflagre, podemos concluir ter o homem aprendido muito na arte de fazer a paz. Se assim for a nossa geração já terá valido a pena. Caso contrário, o drama que seria obriga-me a ficar por aqui...
por André Abrantes Amaral @ 3/29/2006 11:53:00 da manhã
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