Mundo Moderno
(Depois da ausência da semana passada, o Mundo Moderno abre hoje uma excepção, não seguindo o seu formato habitual de revista da semana. Segue-se um pequeno texto sobre o terceiro aniversário do início da intervenção Aliada no Iraque. Para a semana, regressa-se ao formato habitual.)
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A GUERRA DO IRAQUE
Quando, a 11 De Setembro de 2001, se deram os atentados terroristas em Washington e Nova Iorque, todos aqueles que não optaram por tapar os olhos da realidade se aperceberam do problema que o mundo enfrentava. Terroristas estavam dispostos a morrer, apenas e só para causar o maior número de mortos possível. Terroristas que não hesitaram em atirar três aviões contra milhares de inocentes (e um quatro que não chegou onde queriam que chegasse), certamente que não hesitariam em usar armas nucleares, ou armas biológicas, se tivessem essa oportunidade. A dimensão que tal uso poderia ter, nomeadamente a morte dos próprios terroristas, não os incomodava. Pelo contrário. Melhor do que niguém, a Administração americana percebeu que conter estes terroristas, e aqueles que os apoiam, era uma impossibilidade. Era preciso agir. Estava-se em guerra. O primeiro passo foi o mais simples. O Afeganistão era a sede dos campos de treino da Al-Qaeda, a organização que havia levado a cabo os ataques. Mais polémico foi o passo seguinte.
O Eixo do Mal
Para os EUA, não bastava caçar Bin Laden. Não bastava sequer capturar os terroristas. Bush percebeu que os terroristas tinham a vantagem de estar sempore um passo à frente. Por muito eficazes que pudessem ser os serviços de informação, por muita ajuda que a superiodade tecnológica dos EUA pudesse dar à "guerra contra o terrorismo", estar-se-ia sempre a seguir os passos dos terroristas, e procurar apanhá-los rapidamente. Bush percebeu que, mais tarde ou mais cedo, alguém voltaria a escapar. Restava portanto uma outra conduta. Procurar impedir os terroristas de, caso passassem pela rede, causarem danos. Restava portanto impedir que estes tivessem acesso aos meios que lhes possibilitariam causar tantos ou mais mortos que aqueles que causaram no 11 de Setembro.
Como poderiam eles adquirir esses meios? A resposta parecia simples. A estados que com eles partilhavam um sentimento. Um ódio generalizado ao Ocidente, e um particular desprezo pelos EUA. Pouco interessava a Bush se Saddam tinha ou não colaborado com a Al-Qaeda, ou o facto da Coreia do Norte não ser um país fundamentalista islâmico. E fez muito bem em não se preocupar com tais minudências. Porque o que é verdade é que, com a Al-Qaeda, partilhavam esse ódio aos EUA. E se até aí não tinham colaborado, a hipótese de tal vir a acontecer não era assim tão improvável.
O Ladrão de Bagdad
Porquê o Iraque? Na simplicidade do pensamento radical, colocavam-se duas hipóteses. Ou era por causa do petróleo, que Cheney beberia ao pequeno almoço, ou pela vingança contra Saddam, com Bush sonharia todas as noites. Infelizmente, eram problemas um pouco mais sériuos do que aqueles que o cerebrozinho conspirativo consegue compreender. Após o final da primeira Guerra do Golfo, a posse de WMD pelo regime iraquiano era conhecida. A sua destruição, exigida pela coligação vencedora, nunca foi provada. Durante anos, Saddam evitou sempre provar essa destruição. De tal forma que todos (todos) os serviços secretos ocidentais pensavam que essas armas existiam. Fossem os dos falcões americanos, fossem os das pombas (vendedoras de caças) francesas, todos acreditavam na existência de tais armas. Os EUA consideravam, e bem, que a conjugação da posse das WMD, a natureza ditatorial e brutal do regime, e o comportamento externo do dito, destestabilizador da região, o tornavam um alvo prioritário. Apesar de uma profunda contestação popular em inúmeros dos países aliados, a intervenção teve lugar. Em pouco tempo, as tropas chegavam às portas de Bagdad, sem que se desse o Apocalipse previsto pela brigada da retirada. Faltava o resto.
Três Anos
A história destes três anos, foi a história do resto que faltava. E que ainda falta. Por questões de política interna, inerentes à justificação "democratizadora" dada para a intervenção, os EUA pareceram ter dado prioridade à "democratização" e não à estabilização do Iraque. Mesmo que não fosse esse o caso, teria sido difícil evitar a sucessão de ataques terroristas no país, muitos deles contra a própria população, facto que não parece chocar as boas consciências. Esse era, aliás, um problema que era de esperar. Um problema que niguém ignorava. O que não se esperava era a ausência das WMD que justificaram, aos olhos de muita gente, a própria intervenção. E essa ausência, mais do que as mortes diárias que os telejornais trazem de Bagdad, trazem problemas difíceis de resolver para os EUA e os seus aliados.
Admitamos, caro leitor, que elas nunca existiram. Nesse caso, por que razão não entregou Saddam todas as provas da sua destruição? Eram conhecidos os programas do Iraque, desenvolvidos até à Guerra do Golfo. Durante anos, várias resoluções da ONU forçavam o Iraque a mostrar que haviam sido destruídas. Essas provas nunca foram dadas. A última resolução aprovada nesse sentido, a famosa 1441, obrigava o Iraque a colaborar imediata e incondicionalmente com as inspecções do senhor Blix. O relatório deste afirmou que essa colaboração imediata e incondicional não tinha existido, e que não tinham sido entregues as provas suficientes. Quem esteve contra a intervenção pedia mais tempo para as inspecções. Argumento falacioso. Não cabia a estas encontrar as WMD, mas sim ao Iraque provar que as tinha destruído. Elas não precisavam de mais tempo. Mais tempo não traria a colaboração que o Iraque não deu, e que estava obrigado a dar. Mas então, mais uma vez, se não as tinha, e admito que não as tivesse, porque não o provou? É uma pergunta para a qual não encontro resposta. Mas há ainda outra questão preocupante, a que traz os mais graves problemas aos EUA. O serviços de informação estavam enganados. Quando estes se enganam de uma forma tão grosseira, torna-se difícil confiar numa futura informação por eles trazida. E o que preocupa não é propriamente o facto, em si, de se atacarem países "errados". Mesmo que se confirme que as WMD não existiam no Iraque, continuo a achar que a guerra se justifica, pois este constituía um factor de desestabilização da região, dificultando a sua pacificação, constituindo assim um enorme risco para todo o Ocidente. O que me preocupa é que os países "certos" não sejam atacados, que os serviços de informação não identifiquem quem realmente comporta uma ameaça para todo o Ocidente. Porque se não o fizerem, o resultado será apenas um: a repetição do 11 de Setembro, porventura com consequências ainda mais trágicas.
A falha dos serviços de informação dos países ocidentais descredibilizou a política ofensiva dos EUA e da Inglaterra. Mais do que a ter descredibilizado, dificultou a margem de manobra que estes países poderiam ter para lidar com ameaças como a do Irão. Na realidade, ter-se-ão perdido três anos. Três anos que o Irão ganhou. Foi um erro, que poderá custar caro. Olhando para trás, vejo que foi um erro. Mas, se hoje soubesse apenas o que na altura se sabia, voltaria a apoiar a intervenção. Por uma simples razão. Achava, como acho, que era preciso fazer alguma coisa. Não sabia, como ninguém, a não ser Saddam, sabia, que, no Iraque, já nada era preciso fazer, porque já tudo estava feito. Ou melhor, que já tudo estava desfeito. Enquanto ao lado, se ia fazendo aquilo que se queria evitar. Esperemos que não seja tarde demais.
por Anónimo @ 3/26/2006 09:57:00 da tarde
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