Social-democracia e socialismo
Caro CMC,
Curiosamente, a alusão não foi feita com pessoas de direita mas sim com pessoas de esquerda, mais concretamente um grupo de doutorandos em Inglaterra (aliás quando escrevi o post original nem me ocorreu a situação portuguesa em que o principal partido de centro e centro direita, por razões históricas compreensíveis mas excepcionais, adoptou a designação de social-democrata). Naturalmente que se tomarmos uma definição de socialismo como equivalente à colectivização completa dos meios de produção (quanto a mim uma definição inaceitavelmente restritiva nos dias de hoje) a social-democracia contemporânea não é uma forma de socialismo. No entanto, julgo que um entendimento bem mais razoável passa por compreender que o socialismo (como o liberalismo ou mesmo o conservadorismo) é uma família que alberga várias correntes mais específicas e que, tal como as outras duas famílias referidas, sofreu alterações ao longo do tempo. De acordo com este entendimento que me parece bem mais razoável, é evidente que a social-democracia pertence à família socialista.
É possível, claro, chamar a atenção para o facto de a social democracia contemporânea (e penso essencialmente nos exemplos associados à chamada "terceira via") ter incorporado alguns elementos de inspiração liberal, tais como a aceitação mais ou menos abragente de que o mecanismo de mercado deve ser a base da organização económica. Nesse sentido, distanciou-se claramente dos socialismos marxistas, mas julgo que será um exagero injustificado argumentar que deixou por isso de poder ser considerada socialista.
Foi uma discussão que, confesso, me surpreendeu um pouco ter de levar a cabo no contexto específico em que teve lugar mas talvez uma explicação possível assente no facto de a maioria dos meus interlocutores na altura serem originários de países anglo-saxónicos onde a designação "socialismo", especialmente desde o colapso dos regimes comunistas na Europa de Leste, é muitas vezes associada no discurso corrente (e por vezes também no académico) às variantes marxistas do socialismo. É uma explicação que parece ser reforçada pelo facto de, no grupo de discussão em causa, a única pessoa que, após algum tempo, me pareceu aceitar mais ou menos os argumentos que apresentei, ter sido precisamente o único europeu continental presente.
Não obstante o possível interesse académico das infindáveis discussões sobre "socialismo democrático" e "social-democracia", não me parece sequer que nada do que possa ser dito nas mesmas invalide a adequabilidade de englobar a social-democracia na família socialista (e, dentro desta, nas formas de socialismo que aceitam a democracia pluralista e representativa). Conforme consta na Declaração de Princípios da Internacional Socialista:10. The Socialist International was founded a hundred years ago in order to coordinate the worldwide struggle of democratic socialist movements for social justice, human dignity and democracy. It brought together parties and organisations from different traditions which shared a common goal: democratic socialism. Throughout their history, socialist, social democratic and labour parties have stood for the same values and principles.
Apesar de ter ficado um pouco surpreendido com a necessidade de discutir este assunto no contexto em que o discuti, julgo que é uma matéria relevante. Em primeiro lugar, porque me parece não só incorrecto como até injusto reduzir todo o socialismo às suas formas marxistas. Em segundo lugar, porque retirar a social-democracia da família socialista me parece um erro grosseiro e potencialmente um factor de grande confusão para compreensão da teoria política contemporânea e sua aplicação no contexto partidário das democracias pluralistas.
por André Azevedo Alves @ 2/28/2006 06:27:00 da tarde
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