28.1.06

Entrevista de Aznar ao Expresso

EXP - Há tentativas de aproximação entre o Governo e grupos próximos da ETA na busca de uma paz definitiva. O que pensa que vai acontecer?

JMA - Que se vai cometer outro erro de dimensões quase históricas, porque toda a política antiterrorista que antes reuniu o consenso do Partido Popular e do Partido Socialista foi destruída, e foi-o por vontade expressa do actual Governo. Aquilo a que vamos assistir é que, provavelmente, uma organização declarada dissolvida - não apenas ilegal, mas dissolvida - e considerada terrorista pela União Europeia e pela comunidade internacional vai regressar às instituições, e vamos provavelmente assistir a um processo de negociação com um grupo terrorista. As exigências do grupo terrorista são muito claras: é a autodeterminação e uma parte do território espanhol que equivale a Navarra. Se o Governo espanhol estiver disposto a concedê-las, então teremos um horizonte, digamos, de paz. Se o Governo espanhol estiver disposto a ceder às exigências do terror, pois muito bem, isso será o fim da Espanha - o que é uma forma de acabar com os problemas.

(...)

EXP - A política externa de Zapatero em relação aos Estados Unidos e à União Europeia é radicalmente distinta da sua...

JMA - Não falar com o Presidente dos Estados Unidos não é, na minha opinião, uma boa posição política. Digamos que manter uma amizade muito próxima com Chávez ou com Moralez ou com Castro não é o melhor sítio para se estar internacionalmente. Deixar de estar entre as duas maiores democracias do mundo para passar a estar entre um ditador como Castro e um aspirante como Chávez é uma mudança muito grande. Deixar de ter um melhor saldo financeiro, como teve a Espanha, e converter o país no primeiro contribuinte para o alargamento europeu é um salto atrás muito substancial. Penso que estes factos reflectem que a melhor política externa é uma boa política interna. Se um país se debilita do ponto de vista interno ou se um Governo não consegue representar ou dirigir correctamente o país, isso tem repercussões na política externa desse país e a Espanha, infelizmente, teve retrocessos muito sérios.

(...)

EXP - Enquanto presidente do Governo defendeu um modelo assente na criação de grandes empresas, na reestruturação da economia e na ocupação de cargos nas grandes organizações internacionais.

JMA - É um modelo económico. E talvez o mais importante, não o citou: a revolução social do emprego. A Espanha conseguiu criar quase 6 milhões de novos postos de trabalho em oito anos e isso constituiu uma grande revolução social em Espanha.

EXP - Nessa reestruturação teve o apoio dos sindicatos.

JMA - Nós fomos um Governo que fez muitos acordos sociais - doze em 8 anos. As grandes reformas sociais fizeram-se com o acordo dos empresários e dos sindicatos, sobretudo a reforma laboral. As economias mais prósperas são as economias mais flexíveis, e o que diferencia o sucesso de Espanha do de outros países é que Espanha aproveitou o momento da entrada no euro para fazer reformas económicas de grande abertura e liberalização da nossa economia, e esse foi o grande êxito deste país.

EXP - Mas como foi possível os sindicatos estarem de acordo?

JMA - Os sindicatos estiveram à altura das circunstâncias. Em 1976, trabalhavam em Espanha 12 milhões e 200 mil pessoas; em 1996, quando chegámos ao Governo, trabalhavam em Espanha 12 milhões e 200 mil pessoas; em 2004, quando saímos do governo, trabalhavam em Espanha 18 milhões. É um mundo completamente diferente.

EXP - Durante a sua governação, verificou-se uma profunda reestruturação na banca e o nascimento de grandes empresas como a Telefónica.

JMA - Nós liberalizámos os grandes sectores económicos do país e privatizámos as empresas. Considerámos sempre a privatização uma consequência da liberalização: primeiro liberaliza-se o mercado e depois privatiza-se o que é público. A privatização sem liberalização não faz muito sentido. Isso gerou um impulso económico muito grande que se traduz em números: de 1990 a 1996, a Espanha investiu na América Latina 5 mil milhões de dólares; de 1996 a 2001, investiu 105 mil milhões de dólares. Mas nós não queríamos que as grandes empresas fossem públicas e, além disso, queríamos que se tornassem mais competitivas. Não me interessa que um monopólio seja público ou privado; o que se pretende é que não haja monopólio. O capital das grandes empresas em todo o mundo provém de fundos de pensões diversos. O que me importa é ter boas empresas, bem projectadas, bem administradas, empresas eficientes.

(...)

EXP - E vê com preocupação estas mudanças políticas na América Latina?

JMA - A América Latina está a viver um momento político conturbado, conturbado e difícil. Assim como a economia mundial tem crescido desde há vários anos, as economias sul-americanas cresceram também - provavelmente não ao ritmo que deveriam crescer, mas cresceram. No entanto, o panorama político é conturbado e preocupante, porque estamos a assistir claramente a um regresso a políticas populistas, a políticas demagógicas e a regimes claramente responsáveis por exportar insegurança..

EXP - E isso pode afectar as empresas que estão instaladas...

JMA - Pode afectar toda a gente. Eu sempre pensei que o continente latino-americano tinha grandes oportunidades de futuro, mas se a fórmula for instabilidade, se a fórmula for demagogia, se a fórmula for o populismo, se for o desrespeito pela lei, menos democracia e mais intervencionismo estatal, o continente ressentir-se-á disso.


(obrigado ao leitor Batangas pela indicação)