A Europa pós-democrática: Paraíso ou pesadelo?
Agora que a data do referendo francês à Constituição se aproxima e o assunto andará na ordem do dia, seria interessante discutir verdadeira natureza da União Europeia.
A União Europeia é-nos sempre apresentada como um paraíso que salvou a Europa. Até Robert Kagan, caindo nesse erro, apelidou a Europa de Paradise afirmando viver esta no verdadeiro mundo kantiano, da paz perpétua, ao contrário dos EUA que continuam atolados na História. Pior, no mundo histórico de Hobbes, o mundo da desconfiança em que apenas o instinto de sobrevivência serve de mote à conduta humana, neste caso, à conduta dos países na cena internacional.
Será mesmo assim? Será mesmo a Europa um Paraíso como tão comummente a pintam?
É importante realçar que o mundo kantiano pressupõe as potências deixarem de agir por conta dos seus interesses e passarem a fazê-lo em vista da democracia liberal e das instituições internacionais liberais, onde todas as nações se integrariam. Ora, analisando, os principais países da Europa continental (França, Alemanha, e desde Março de 2004, a Espanha), damos conta que todos os três são, infelizmente, movidos por princípios de Realpolitik.
Refiro-me à Realpolitik como sendo a política externa baseada mais em preocupações meramente práticas que em teorias e princípios éticos. No fundo a política “dos mais frios cálculos de interesse”, no dizer de Alexander Hamilton.
Encontramos exemplos de Realpolitik na política externa francesa, alemã e espanhola quando, Chirac pretende adiar a discussão da directiva Bolkestein até depois da França referendar a Constituição Europeia e tudo faz para, impedindo a liberalização dos serviços no mercado comunitário, não prescindir dos seus benefícios em troca das vantagens concorrenciais recebidas pelo leste europeu. Encontramos técnicas de Realpolitik quando a Europa quer levantar o embargo de armas à China e a Espanha se propõe a vender armamento à Venezuela de Chavez.
Por que é a Realpolitik criticável quando praticada por qualquer país europeu, nomeadamente pela França e pela Alemanha?
A razão é simples e explica-se em dois argumentos. Em primeiro lugar, o motivo histórico. A Europa sofreu verdadeiras hecatombes durante o século XX. Verdadeiras carnificinas que levaram não só a milhões de mortes e modos de vida arruinados, mas também colocaram um ponto final na hegemonia e no poder das potências europeias. O equilíbrio de poder praticado ao longo de todo o século XIX, não foi salutar, mas perigoso. A solução encontrada foi o encontro dos povos europeus num projecto de união europeia. Aprecie-se ou não, concorde-se ou não com ele, o projecto de união europeia que surgiu em meados do século XX e se foi desenvolvendo ao longo de décadas até aos dias de hoje, foi forjado e encorajado pelo eixo Franco-Alemão.
A União Europeia nasceu fruto da desconfiança vivida entre as nações da Europa e da fraqueza que estas deram conta padecer. Se a Europa passar a reger-se por princípios de Realpolitik, como grande potência se tratasse, defrauda-se a si mesma, fere a sua natureza e pode conduzir-se ao abismo.
Em segundo lugar, a Realpolitik praticada pelo eixo franco-alemão, porque também existente nas relações com os outros Estados-membros, ou seja, porque também praticada no quadro das instituições europeias, pode levar a profundas divisões na União Europeia. A grande maioria dos Estados da Europa aderiu ao projecto europeu, não para servir de suporte aos interesses franceses e alemães, mas por encontrarem naquele desígnio de união a garantia de paz, segurança e prosperidade. A União Europeia tem-se afirmado como um Império com a particularidade de não ter nem vencedores nem vencidos. A busca cega de interesses particulares pode liquidar o projecto europeu e consequentemente ameaçar um dos maiores garantes de segurança e de defesa da Europa.
por André Abrantes Amaral @ 5/24/2005 11:35:00 da manhã
<< Blogue