A Europa pós-democrática: o cavalo de Tróia do Ocidente?
Tem sido muito comum o entendimento que as divergências entre a América e a Europa não são apenas limitadas à quantidade de poder que cada continente possui, mas que são mais profundas. Mais precisamente de cariz ideológico. Na linha desse raciocínio, a Europa pós-moderna, contrariamente aos EUA, dá ênfase às negociações em detrimento do uso da força. Tal como no ‘post’ de ontem, creio ser legítimo perguntar se é mesmo assim. Terá a Europa atingindo verdadeiramente a tão propagada paz Kantiana? Se sim, que têm, os que concordam com esta tese, a dizer sobre défice democrático da União Europeia? Não será este paraíso pós-democrático europeu uma ameaça ao regime liberal e democrático assente na diversidade dos Estados? Se tomarmos em conta que as nações que mais apoiaram os EUA na intervenção no Iraque foram Estados de cariz liberal, preocupados com a sobrevivência da aliança transatlântica e não tanto em marcar posição contra o predomínio norte-americano, resultante precisamente da maior quantidade do seu poder, será correcto que se defina a União Europeia como um todo cultural e político homogéneo? Será correcto querer uniformizar a política externa europeia?
Existe, na verdade, uma lacuna neste argumento e que se traduz em qualificar a Europa como sendo um Paraíso num mundo Hobbesiano. Falo de lacuna, pois esta perspectiva acaba por ser uma visão reducionista da Europa e do projecto europeu. Uma visão que esquece existir dentro da UE, resultante de uma tradição verdadeiramente pluralista, a defesa de um projecto um pouco diferente daquele para que pode caminhar num sentido pós-liberal. Em contraponto com a posição federalista, sempre existiu uma corrente fundamentada na diversidade dos Estados, associados numa componente liberal, de mercado livre, com uma inevitável e menor centralização burocrática. Uma Europa que não procure marcar posição frente aos EUA, mas em conjunto com estes, continuar a evolução dos valores que caracterizam o Ocidente. Essa Europa existe, afirmou-se aquando da discussão da legitimidade da intervenção militar no Iraque. Fez-se ouvir aquando do apoio à directiva Bolkestein de liberalização dos serviços na UE e que a França e a Alemanha tanto se opuseram. É uma Europa que surge ora encabeçada pela Grã-Bretanha, ora por qualquer outro país na defesa da relação atlântica ou do mercado livre europeu e é constituída pela maioria dos Estados que constituem a UE.
É aqui que pode estar o cerne da questão. A Europa dos Estados soberanos e liberais (sem o poder de outrora) demonstram, nos dias de hoje, estar mais à altura do desafio proposto por Kant que a instituição pesada e ambiciosa em que alguns pretendem transformar a União Europeia. Se esta perder o seu sentido liberal (o que parece estar a acontecer) destrói-se e, ao destruir-se, deixa o objectivo político que é o alcance da paz e segurança europeias entregues aos países que a constituem.
Este é o perigo que ameaça a União Europeia. Surgiu como um projecto liberal de mercado aberto e vê-se cair na tentação de criação de uma super estrutura profundamente não democrática. Surgiu como um projecto de paz e cooperação com os EUA pela preservação dos valores ocidentais e corre o risco de ser tornar num centro rival ao poder e influência norte-americana.
Ao querer concorrer com a América e ao querer forçar constitucionalmente uma uniformização da política externa europeia (com a introdução da figura do Ministro dos Negócios Estrangeiros Europeu) a UE está, não a ser um pólo complementar à outra potência ocidental, mas a concorrer com ela. A meu ver, este destino é grave e impõe uma atenção e discussão cuidada.
por André Abrantes Amaral @ 5/25/2005 11:19:00 da manhã
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