31.5.05

Apelo à vergonha

O Dr. Jorge Sampaio apelou aos interesses reunidos na Concertação Social para que tenham o interesse do país em vista. Apela a que os vários interesses corporativos ali reunidos se coordenem para que o país possa diminuir o deficit das contas públicas é feito, certamente, com intenções benignas. Mas que validade tem?
Ele é feito pelo mesmo homem que passou um raspanete a Durão Barroso quando se começou a tornar claro que as responsabilidades financeiras do estado providência não tinham correspondência nas receitas. Ou de outro modo, que o estado, agente da repartição e redistribuição de rendimentos, pretendia distribuir mais do que aquilo que conseguia retirar da economia. Temendo que o estado despesista, miragem de toda a vida ideológica do Sr. Presidente, estivesse em risco, fez um discurso que sossegou os que vivem à conta do OGE quanto à vigilância que exerceria. Com ele na presidência, estava garantida a vida com e para além do deficit, "no mather what".
Alguns anos depois, o actual secretário geral do partido do qual ele próprio foi secretário geral, pede a outro ex-secretário geral do PS que autentique aquilo que há muito as pessoas de bom senso sabiam: que o estado gasta muito mais que aquilo que cobra de impostos.
Agora sim era oficial: para além do deficit, poderia estar o deserto vazio de vida. Surgem-lhe(s) visões difusas de um estado providência em estertor.
A par das propostas do governo (a ver como passarão à prática as que pretendem diminuir a despesa), surgem os apelos pungentes e visivelmente emocionados do presidente que se começa a preocupar com a vida do país no além-mandato, depois do deficit. Não tenho dúvidas que não se questionou nem penitenciou sobre o que poderia ter feito anos antes, que influência poderia ter exercido sobre Guterres e a expansão do sector público nem sobre Barroso e o que poderiam ter sido as reformas das finanças públicas. Não se questionou porque as suas convicções são as mesmas de sempre, são as mesmas de quem preferiu errar com Sartre pensando que acertava. São as mesmas que lhe seguram o socialismo em cima da secretária sem gavetas onde o guardar. Adivinho-lhe uma angústia: que a secretária de Sócrates tenha muitas gavetas escancaradas e que este as encha finalmente. Será a mesma angústia de toda uma geração socialista (não só do PS) que nunca se envergonhou pelo seu contributo para o tamanho do estado e do deficit. Infelizmente, acho que se angustiam em vão.