O conceito enganador da legitimidade internacional
O Rui Oliveira referiu-se ontem, aqui, à aparente contradição no discurso de Sócrates quando critica o apoio à intervenção no Iraque em 2003 e esquece o que sucedeu no Kosovo em 1999. Na verdade, com a intervenção no Kosovo deu-se também uma violação do Direito Internacional, na medida em que não só não houve aval da parte do Conselho de Segurança da ONU, como também foi violada a Carta das Nações Unidas que estatui ser a soberania dos Estados um princípio inviolável do Direito Internacional.
No entanto, a Europa que interveio no Kosovo (com a ajuda da América, note-se) não o quis fazer no Iraque, alegando ilegitimidade desta última acção. O que explica a diferença de actuação dos países europeus é que, em 1999, estes sentiam ser legítimo intervir. Em 2003 já não. A ênfase dada ao sentir é bastante importante e não deve ser descartada. Ela demonstra que o conceito de legitimidade (tão apregoado agora por alguns países europeus em 2003 e tão esquecida por esses mesmos países europeus, em 1999) não é fixo, nem estável, mas dinâmico e volúvel.
Ao ser um conceito instável, a legitimidade torna-se uma variável às mãos de quem o quiser utilizar. Os governos francês e alemão usam-no, não para enfraquecer os EUA, mas para se fortalecerem. Para marcarem posição. Quem não tem força (ou tem-na pouca) tudo faz para ganhar poder e influência. Todos os meios parecem ser válidos. Podem levar a um beco sem saída, mas a França, desde meados do século XIX (para não dizer, desde Waterloo) parece que anda à nora pela Europa.
O que Sócrates, não conseguiu explicar foi isso mesmo. Que sentia ter sido um dever intervir no Kosovo, enquanto no Iraque esse sentimento de justiça já não era o mesmo. É, pois, a legitimidade um conceito dúbio. Um conceito dúbio perigoso também quando livremente interpretado pelos europeus.
por André Abrantes Amaral @ 3/23/2005 10:40:00 da manhã
<< Blogue