Frankenstein
No mesmo momento em que o parlamento chinês aprovou uma lei que menciona explicitamente a possibilidade de anexação de Taiwan pela força militar, caso esta declare formalmente a independência que há muito usufrui de facto, o presidente francês apareceu como o principal impulsionador de uma ideia espantosa: levantar o embargo de venda de armas à China, em vigor desde os tristes acontecimentos na praça Tiananmen em 1989. Imediatamente Javier Solana, o futuro “ministro dos Negócios Estrangeiros” da UE, começou diligentemente a procurar justificar o injustificável. Aparentemente encontrou uma forma: a China estará a fazer “progressos em termos de direitos humanos”. Por uma qualquer extraordinária razão, esses “progressos”, tão visíveis que justificam a venda de armas, são estranhamente invisíveis quando se trata de desmantelar as barreiras proteccionistas no comércio bilateral entre a UE e a China.
Ao mesmo tempo, e enquanto a Comissão Europeia pretende liberalizar o sector dos serviços no espaço interno da UE, os líderes políticos franco-germânicos organizam uma gigantesca campanha contrária a este propósito e conseguem remeter a “directiva Bolkestein” para o “congelador político”. Os principais responsáveis políticos europeus não desconhecem que o sector dos serviços representa cerca de 70% da actividade económica total da UE. Não ignoram que só a liberalização desse gigantesco conjunto de mercados é que poderá produzir o crescimento económico necessário para suportar o insuportável “modelo social europeu” e “relançar” a patética “Agenda de Lisboa”. Sabem perfeitamente que essa liberalização é vital para os países mais pobres, cujas pequenas economias poderiam usufruir de uma vantagem competitiva muito importante, mas que obrigaria alguns franceses e alemães a perder umas quantas “regalias”.
Um diplomata atribuiu a Chirac esta espantosa declaração no decurso da cimeira europeia: "Ultraliberalism is the new Communism of our age." O actual estado de coisas na UE resume-se nesta frase: uma mistura grotesca de ambição e de impudência. O Sr. Chirac devia calcular que todos sabemos por que razão é bloqueada uma medida cuja aplicação geraria ganhos descomunais para o conjunto da UE mas com alguns custos para a França e para a Alemanha. Custos mais do que suficientes para consolidar e tornar eventualmente irreversível a tendência de voto favorável ao “Não” no referendo francês ao projecto de Tratado Constitucional para a UE.
No cálculo político do Eixo franco-germânico, esta directiva não é diferente do Pacto de Estabilidade, ou de qualquer outra regra aprovada para valer no espaço europeu. O princípio é sempre o mesmo: enquanto a regra servir os interesses políticos do Eixo, os países que não se comportam de acordo com a norma têm problemas; quando os problemas tocam um dos países do Eixo, é a regra que tem problemas.
Os objectivos de controlo e submissão política de toda a Europa ao poder do Eixo são hoje claros e indisfarçáveis. Para atingir esse objectivo é vital conseguir a aprovação do Tratado Constitucional: é através dele que o monstro da dominação europeia pelo Eixo ganhará vida. A história europeia está cheia de exemplos trágicos onde alguns fingiram que não percebiam o que se estava a preparar e outros recusaram-se a acreditar. Para uns e outros, a verdade chega sempre tarde demais.
Também aqui não há nada de novo: é visível o contentamento dos governantes de pequenos países que, tendo dificuldades em cumprir as regras do Pacto de Estabilidade, bufam de alívio porque afinal estas são “flexíveis” e podem tornar-se irrelevantes mediante doses substanciais de desvergonha e “contabilidade criativa”. Outros “negam” a hipótese de dominação da Europa pelos países do Eixo e preferem acreditar em ficções pós-históricas de “últimos homens” achando que o Mal pode ser banido por decretos e papelinhos e que as fontes últimas de conflito —religião, nacionalidades— estão "superadas".
A Europa não está “além da história”; está perigosa e inconscientemente próxima de a repetir, ainda que de forma e por processos diferentes. Os avisos são claros: o monstro constitucional está quase cosido e Chirac e Schroeder são os novos Drs. Franskenstein. Quem preza a Liberdade tem um dever primordial: opor-se-lhes, agora e sempre.
por FCG @ 3/24/2005 08:03:00 da manhã
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