Como se não existisse ontem
No editorial do Público de hoje, José Manuel Fernandes defende a necessidade de uma profunda reforma fiscal. À cabeça das medidas surge o imposto linear único sobre o rendimento. É uma excelente sugestão, com enormes vantagens de eficiência económica e de simplicidade administrativa, que tem sido defendida e discutida por várias pessoas, muito antes do citado artigo do The Economist, na semana passada.###
Limito-me a fazer dois reparos: um "técnico" e um "histórico". O reparo técnico relaciona-se com a questão da progressividade. José Manuel Fernandes assume implicitamente que um imposto linear sobre o rendimento não é progressivo porque "a ideia da progressividade dos impostos é a de assegurar que os que ganham mais paguem mais - proporcionalmente mais". Não há acordo entre os economistas sobre esta matéria e a definição de progressividade fiscal que está mais próxima de reunir o consenso não é esta. A generalidade dos economistas define progressividade fiscal em termos da carga fiscal média individual: se a taxa média do imposto for crescente, então quem ganha mais paga mais, ainda que não proporcionalmente mais. Um imposto linear pode ter uma taxa média crescente, ainda que a taxa marginal seja constante; basta para tal que tenha um limiar de isenção fiscal positivo, em termos de rendimento, abaixo do qual os indivíduos até podem receber um subsídio (linear à mesma taxa).
A definição de progressividade implícita no raciocínio de José M. Fernandes é mais "exigente": requere que, por cada 1% adicional de rendimento, a carga fiscal individual aumente mais do que 1%. De acordo com esta definição, o imposto linear único não seria progressivo, seria proporcional. Nunca encontrei uma justificação razoável para a adopção desta definição de progressividade. Não basta um argumento "absoluto", é preciso explicar por que razão é preferível à definição mais comum de progressividade, ou seja: é preciso explicitar qual o juízo de valor normativo que torna "desejável" que os que ganham mais devam pagar proporcionalmente mais.
O reparo "histórico" relaciona-se com os proponentes iniciais desta reforma fiscal em Portugal. Foram Jorge Braga de Macedo, Vítor Gaspar e Luís Morais Sarmento, três economistas então na Faculdade de Economia da Universidade Nova de LIsboa, que, em 1989 e no contexto da chamada "Reforma Cadilhe" avançaram com a defesa do sistema de tributação linear sobre o rendimento das pessoas singulares. O então Ministro das Finanças, Miguel Cadilhe, recusou a proposta. Tendo em conta a "proveniência académica" do próximo Ministro das Finanças resta esperar que se lembre de reler alguns dos Working Papers da FEUNL. Este de J. Braga de Macedo, por exemplo: Imposto Linear Único sobre o Rendimento: Perspectivas e Oportunidades para a Reforma Fiscal em Portugal (com Vitor Gaspar e Luis Morais Sarmento), Working Paper nº 108, Janeiro 1989.
Há dezasseis anos perdeu-se uma excelente oportunidade. Mesmo para um país habituado a esperar, parece-me que já chega.
por FCG @ 3/07/2005 09:02:00 da manhã
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