3.3.05

Cavaquismo presidencial?

Em diversos textos e comentários relacionados com o texto “A barreira constitucional” notei várias confusões: a) quanto a escolhas; b) entre objectivos políticos; c) na distinção entre meios e objectivos.

1. Escolhas e factos. O Prof. Cavaco Silva não é uma “escolha” ou uma “preferência” pessoal: é, de acordo com todos os dados empíricos conhecidos, a única candidatura presidencial que poderá derrotar as candidaturas do Eng.º Guterres ou do Prof. Freitas do Amaral na eleição de 2006. Confrontado com estas “hipóteses” não tenho dúvidas a quem darei o meu voto. Nunca fui “cavaquista” e parece-me tarde para começar. Pacheco Pereira assina hoje um texto no Público onde descreve o cavaquismo “ao povo e às crianças” (destaques adicionados):

“Como é tradicional no PSD o cavaquismo como teoria é mais um "programa não escrito" do que qualquer outra coisa. Significa um grupo de percepções centradas em várias ideias que Cavaco Silva materializou e que incluem: uma preocupação com a governabilidade do sistema político português, de que a procura de maiorias absolutas de um só partido e a tendência para a bipolarização são uma expressão, entre outras; uma ideia sobre a indispensabilidade da cada vez maior integração na União Europeia como instrumento exógeno de pressão para mudanças endógenas; uma governação liberal para a sociedade e keynesiana para o Estado (não, não é contraditório); uma afirmação obsessiva da autonomia do Estado face aos interesses; racionalização "modernizadora" do Estado; utilização dos fundos comunitários em obras estruturais. Foram estas políticas (...) que materializaram uma política de centro, entre a esquerda e direita moderadas. Na realidade o cavaquismo é o mais próximo do programa social-democrata "à portuguesa" definido por Sá Carneiro. Agora que o cavaquismo se tornou uma espécie de anátema, aqui está o que dele pode ser útil para o futuro.”

Se é este o “programa político” do cavaquismo, então pouco ou nada me interessa. Mas não discuto “nomes”. O que proponho é que a direita discuta o que pretende politicamente do próximo presidente e não quem pretende como o próximo presidente.

2. Objectivos políticos. Qualquer candidato a PR que se apresente ao eleitorado afirmando que “se compromete a não dissolver a Assembleia” abdica à partida de uma competência presidencial quanto a outros órgãos, consagrada na Constituição. Embora o ponto essencial do texto fosse precisamente definir o impulso presidencial à revisão constitucional como o “mandato político” que a direita deve conferir a qualquer candidato a PR que pretenda os seus votos não é este aspecto em particular que entendo que necessite de revisão. Consequentemente, um PR eleito nesta base seria um presidente injustificadamente diminuído nas suas competências.

Só um candidato a PR apoiado pelo PS é que pode credivelmente assumir o “compromisso” de não dissolução. Conforme sublinhou o Prof. Rui Ramos em artigo recente, a dissolução da Assembleia da República decidida pelo Presidente Sampaio, quando existia uma maioria absoluta de deputados que apoiavam o executivo constitui uma ruptura com uma “tradição constitucional” que funcionava como garantia não escrita contra a ocorrência de actos semelhantes. A garantia futura só poderá vir da eleição de um PR da área política que conferiu a maioria absoluta ao PS nas recentes eleições legislativas.

Quem considera que a completude da legislatura que agora se inicia é um “valor supremo” do ponto de vista do regime político, só pode ser consequente com esse juízo normativo contribuindo para a eleição de um candidato presidencial da área socialista. Qualquer outro candidato poderá anunciar o “compromisso de não dissolução”, mas, em linguagem estratégica, o anúncio tem um problema de “inconsistência temporal”, ou seja: não é credível.

3. Objectivos e meios. A maior dificuldade consiste em tentar evitar que “Cavaco PR” se torne numa reedição indesejável de Eanes, tentando governar a partir de Belém. A minha resposta, certa ou errada, tem pelo menos uma vantagem: é clara. Um PR eleito com os votos do centro direita deve contribuir para que esta possa, no final da legislatura, apresentar-se ao eleitorado com um programa genuinamente reformista, o que pressupõe a remoção dos constrangimentos constitucionais que impedem a aplicação de medidas que reduzam claramente o peso do Estado na economia, ou seja: que permitam a redução drástica da despesa pública corrente.

Isto é impossível com a actual Constituição: leia-se a Parte I (Título II, Capítulo III e todo o Título III) e, sobretudo, a Parte II. Entendo que o principal contributo que um PR eleito ao centro direita pode dar para melhorar a qualidade da governação é não abdicar da sua influência política para persuadir o PS a aceitar uma verdadeira revisão constitucional. Esse é o objectivo. A possibilidade de dissolução é um meio (e é apenas isso) que considero legítimo ser invocado para esse fim. Pode-se concordar ou não, mas é totalmente claro. O que não é claro é que se pense conferir um mandato presidencial seja a quem for sem explicitar o que se espera do candidato uma vez eleito, mesmo que isso possa render mais alguns votos.

Caso o Prof. Cavaco Silva se candidate e vença as próximas eleições presidenciais terá uma oportunidade excelente para criar as condições constitucionais propícias ao aparecimento de projectos políticos genuinamente diferenciados. Ironicamente esse seria o fim dos “cavaquismos”, dos projectos políticos de “compromisso”, do “centrão” ciclicamente convertido em “pântano”. Pessoalmente acho a ideia interessante.