23.9.06

pequena fuga

Um dia, sem carros

1. Muitos lembram-se de tempos em que utilizar um automóvel em meio urbano era um conforto com poucos inconvenientes. Nos dias que correm, enfrentar o trânsito das cidades é um martírio que a ninguém se deseja. A situação adquiriu importância política suficiente para que o Estado, através dos municípios, intervenha para promover o "interesse público" de "disciplinar o trânsito".

Durante décadas, o Estado, gestor do domínio público, construiu acessibilidades de uso gratuito, penalizou fiscalmente a aquisição do automóvel ao invés de taxar contextualmente o seu uso; nacional-porreirizou o estacionamento selvagem; e agora vê-se a braços com um "problema público".

Feito protagonista sem autoridade, mas autoritário, o Estado não sustenta a sua acção com a necessidade de reposição do cumprimento das regras abstractas que já existem e que disciplinam o espaço público sem o comandar. Proclama que é preciso um "combate ao automóvel", ao vício e ao luxo, uma cruzada moral para lixar o inimigo público e o pecador que se esconde por detrás de cada volante.

O previsto aumento de competências da EMEL, por exemplo, enquadra-se num propósito mais amplo de construir uma realidade mais civilizada, mais urbana, um modelo construtivista ("um dia não haverá automóveis!") que requer uma clara discriminação negativa e activa do transporte automóvel, e portanto um constrangimento deliberado de liberdades individuais. Esta filosofia só pode ser repudiada.

2. Não obstante, é um facto que a via pública tem vários usos concorrentes, dos quais o estacionamento é apenas um. O espaço para estacionar é um bem escasso, e portanto tem valor económico. Faz todo o sentido que as pessoas paguem o estacionamento que consomem.

Mas é profundamente errado que a gestão do espaço de estacionamento urbano seja feita por um entidade pública monopolista ao nível territorial da cidade. E que possa não ter autonomia para fixar preços (ou seja, que sejam administrativamente pré-determinados) pode ser bem pior solução (porque politicamente sensível) que deixar que a entidade opere "abusiva" mas livremente.

A haver exploração do estacionamento urbano, deverá recorrer-se ao poder dos mecanismos de mercado concorrencial, de modo a garantir uma alocação eficiente dos recursos: concessionar zonas urbanas distintas a múltiplas empresas, concorrentes entre si, delegando-lhes suficiente poder fiscalizador e discricionário para que possam determinar as suas políticas comerciais, concedendo-lhes assim todos os incentivos para providenciar ao consumidor de estacionamento o melhor serviço aos preços mais adequados — os que forem governados pela oferta e pela procura.