Passos Perdidos
O Lugar do PSD
Embora não pareça estar nas melhores condições para o fazer, o PSD é o único partido em Portugal sem o qual não se poderão fazer reformas significativas e necessárias.
No último Passos Perdidos que aqui escrevi, afirmei que nem o PS nem o PSD poderiam, na conjuntura actual, levar a cabo as reformas que o país necessita. A base de apoio social do PS faz com que o partido seja ideologicamente contrário a reformas que mudem a natureza do Estado e das suas funções, enquanto o PSD, minado por anos de poder (e consequente dependência do estado por parte do seu aparelho) e uma descredibilizadora experiência de governo recente, dificilmente teria as condições políticas para a partir do poder realizar essas mesmas reformas, isto partindo do duvidoso princípio que tem condições para chegar ao poder. O que não escrevi, propositadamente adiado para este texto, foi que considero que, caso o PSD efectivamente não o possa fazer, caso se confirme aquilo que anteriormente escrevi, então essas reformas não serão feitas. Pois só o PSD as poderá fazer. Sem o PSD, elas não surgirão.
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Os partidos da "esquerda" certamente não farão, por razões óbvias. Restam-nos portanto o CDS/PP e o PSD (ignoremos, para não se perder tempo, caro leitor, o PND). Há quem considere (nomeadamente os seus militantes) que o CDS/PP é o partido indicado para defender a liberalização, para defender a mudança política, para defender um novo modelo da relação entre o Estado e os cidadãos que proporcione mais liberdade aos segundos. Argumentam que só um partido "ideológico" pode defender com coerência um programa nesse sentido, sem estar sujeito a compromissos eleitoralistas que minem esse programa e a eficácia das medidas adoptadas. Mas essa suposta vantagem perde-se imediatamente quando se denotam as profundas divergências que existem no seu seio. Especialmente num partido que é um partido pequeno, que sozinho, nunca terá o poder para implementar tal programa político.
Resta, portanto o PSD. A sua natureza de "catch-all party", ao contrário da de partido iedológico do CDS/PP entendida como uma vantagem, é tida como constituindo um handicap para a realização de um programa "liberal" ou sequer "liberalizante" de governo. De facto pode ser. E, de fcato, assim tem sido. Isto porque em vez de liderar, os responsáveis políticos têm-se deixado conduzir por aquilo que consideram ser as necessidades eleitorais. A natureza de "catch-all party" só é prejudicial à realização de um programa "liberal" se for entendida como a de um partido que segue o eleitorado e o que ele quer para dessa forma o apanhar. E tem sido esse o comportamente do PSD nos últimos anos. Nos últimos anos, o PSD tem feito aquilo que Joaquim Aguiar chamou de alimentar a "ilusão redistributiva" do eleitorado, que vota no partido da oposição quando o do Governo já não pode prosseguir na manutenção dessa ilusão.
O PSD não precisa de se tornar um partido "ideológico", não precisa de deixar de ser um "catch-all party", para promover uma agenda política liberal. Precisa sim de mudar a sua atitude, de mudar a forma como procura "apanhar todos". Em vez de ser conduzido pelas ilusórias pretensões do eleitorado, tem ele próprio de liderar, de procuar perceber que medidas serão as melhores para os cidadãos e de seguida, defendê-las, procurando "apanhar" gente dos mais variados quadrantes sociais convencendo-os que as soluções "liberais" são as melhores para o país e eles próprios, para eles próprios e para o seu vizinho, em vez de se deixar convencer por toda essa gente a deixar tudo como está.
Mas para isso, precisa primeiro de fazer o mesmo no seu interior. A liderança do PSD tem de deixar de ser conduzida pelo seu aparelho, e passar ela própria a ser a condutora do partido. Tem de deixar de depender dos líderes distritais e autárquicos, que por sua vez dependem dos dependentes dos empregos públicos que impossibilitam qualquer reforma do aparelho estatal que suga o dinheiro dos contribuintes, que lhes retira liberdade e condições para terem um futuro um pouco melhor. Precisa de convencer o partido, para depois convencer o país.
É justo dizer que há, na liderança de Marques Mendes, sinais positivos. Em primeiro lugar, o esforço de de credibilização que realizou nas autárquicas, e em certa medida, na oposição. É um esforço, no entanto, minado pelas circunstâncias em que é realizado. Ao contrário do que se tornou comum dizer, a acção governativa do PS oferecia condições particularmente favoráveis para o fazer. O estilo propagandístico do Governo permitiria à oposição oferecer um contraste mais sóbrio. Bastava para isso apresentar um linha coerente, e que, como dizia Manuela Ferreira Leite, criticasse o PS por não fazer o suficiente, e não por fazer de mais. O problema de Marques Mendes reside não no feito da governação socrática na sua postura na oposição, mas antes nas críticas internas provocadas pela sua postura na oposição. As críticas de Menezes não ferem a credibilidade que Marques Mendes quer conquistar. As de Ferreira Leite, por exemplo, sim. Mas quem lhe faz oposição é Menezes, não Ferreira Leite. E Mendes, legitimamente receoso de perder o lugar, e constantemente retratado nos media como líder a prazo, sente a pressão, sente-se obrigado a fazer uma "oposição vigorosa", que o leva a criticar o que não deve, o que motiva as críticas de Ferreira Leite, que mesmo não sendo uma sua opositora, acabam por o ferir muito mais.
Apesar dessas limitações, Marques Mendes mostrou ter percebido como a relação entre o Estado e os cidadãos é penalizadora dos esforços dos segundos. No entanto, fica-lhe sempre a faltar um passo, o passo sem o qual dificilmente essa relação irá mudar para melhor. As recentes propostas para o sector da Educação são um bom exemplo.
O PSD percebeu que o Estado não tem a capacidade para gerir o "sistema educativo", por isso propôs que as famílias tenham total liberdade para escolher a escola para os seus filhos, desaparecendo o condicionamento do local de residência ou trabalho dos pais, bem como que seja dada maior liberdade a cada escola no desenvolvimento do seu programa educativo. Falta ao PSD dar o passo seguinte, e defender a adopção do "cheque-ensino", seja ele universal, seja só para aqueles que por si sós não possam aceder a uma escola. Falta ao PSD perceber que quando uma escola é financiada pelo Orçamento de Estado, a sua sobrevivência depende, não da satisfação daqueles a quem os seus serviços se destinam (os alunos e os seus pais), mas da satisfação do Ministério da Educação. Uma escola que recebe o seu dinheiro, o dinheiro que sustenta a sua actividade, directamente do Estado, não concentra a sua atenção na satisfação das exigências dos seus "clientes", mas na satisfação das exigências do Estado. Mas se cada família puder decidir qual a escola que receberá o seu dinheiro (seja ele seu ou um cheque que o Estado lhe atribuiu), em vez de o entregar a um Estado centralizador que depois o distribuí de acordo com o seu critério, ou sem critério algum, a escola que recebe esse dinheiro será obrigada a responder às exigências das famílias que lhe entregam esse dinheiro, sob pena de elas optarem por o entregar a uma escola concorrente. Tal modelo, para além de responsabilizar a escola pelo seu programa educativo, teria ainda o mérito de responsabilizar também as famílias, que teriam de ajuizar se determinada escola vale o dinheiro que dão pelo serviço que ela presta.
Mas mais grave que os passos que o PSD ainda não dá, são os que dá, mas não devia ter dado. Um partido que quer aplicar propostas como as que o PSD fez para a Educação ou para a Segurança Social, não pode criticar um Governo pelo simples facto de este ir contra parte significa da opinião ou dos grupos de pressão. Um partido que, como o PSD, quer uma política alternativa à deste Governo, uma política que vá mais longe que a deste Governo, não pode, como fez Pedro Duarte, usar o simples facto de diversas entidades estarem contra a Ministra da Educação como argumento suficiente para a criticar. Se o PSD, quando chegar novamente ao Governo, quiser aplicar aquilo que agora propõe, terá que enfrentar uma oposição ainda maior que aquela que se tem levantado contra a Ministra da Educação. Ao dizer aquilo que Pedro Duarte hoje disse, o PSD não só enfraquece a sua crítica ao Governo, não só perde o capital de simpatia (perdoe-se o jargão) que algumas das suas propostas atraem em certos sectores, como diminui a margem de manobra à disposição de um seu futuro Governo. Um pouco de prudência nunca fez mal a ninguém. Enquanto que se o PSD continuar sem capacidade para efectivamente convencer as pessoas a mudar o país, não será só o PSD a pagar. Pagaremos todos, e cada vez mais.
por Anónimo @ 9/02/2006 10:36:00 da tarde
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