A converseta
Francisco
Dois pontos de ordem, antes de te responder. Verás pela resposta que até estou essencialmente de acordo contigo. Apenas tenho mais reservas (visto que tu também tens algumas) quanto a esta encarnação Tory.
Primeiro ponto de ordem: eu não pretendi atacar-te, nem ao Vítor, por se entusiasmarem com o que se passa com os Tories. Nem pretendi, como dizes, acusar-vos de ingenuidade. Muito pelo contrário, pensei que achavam genuína e realisticamente que todo este repackaging estava bem feito e tinha possibilidades de êxito. Em certo sentido, (se estivesse) até estaria a acusar-vos de serem mais cínicos do que eu.
Segundo ponto de ordem: não estava a ser cínico quando, no post anterior, desejava a melhor sorte a Cameron. Por muita espécie que me façam expressões como “social entrepreneurship” ou a quantidade de palavras antecedidas do prefixo “eco” (“eco-friendly”, “eco-housing”, “eco-growth”, etc.), acredito muito mais nos instintos Tory do que Labour e, por muito que agora lhes tenha dado para combater a “pobreza global” com métodos inspirados em Bob Geldof, o Partido Conservador oferece muito mais garantias de preservação de certos princípios do que o Partido Trabalhista.
Dito isto, tens toda a razão sobre a necessidade que o partido tinha de fazer qualquer coisa, depois do calvário insuportável dos últimos anos. E também tens razão sobre a (chamemos-lhe assim) deriva “free-marketeer” dos tempos de Thatcher, que não é da sua tradição. Ou melhor, a tradição Tory também é free-marketeer, mas com qualificações. Só que essas qualificações fizeram-se sentir muito menos nos tempos de Maggie.
Mas convém lembrar que abandonar o caminho “free-marketeer” à la Thatcher não é garantia de adopção de boas políticas. Não basta pensar e dizer “ambiente” ou “pobreza” para se terem boas ideias sobre o “ambiente” e a “pobreza”. A crise não justifica todas as soluções para a crise.
Onde chegamos àquilo que me parece essencial. E o essencial é que todo o exercício me parece ser sobretudo um exercício de electability, esse imprescindível elemento da arte política de hoje. Os Tories precisam de parecer elegíveis, precisam de parecer um bocadinho mais queridos, mais simpáticos. Metade daquilo que é dito no tal documento ou não significa nada ou precisa de ser muito bem explicadinho (exs: o que é que significa “sharing the proceeds of growth between investment in public services and tax reduction”? ou “promoting the construction of attractive, affordable and eco-friendly housing through new approaches to planning and building regulations”? e muitas outras). A maior parte é evidentemente blá-blá para ficar bem na fotografia.
Não acho mal. Já ninguém se lembra (a verdade é que também já foi há muito tempo…), mas o discurso free-marketeer da Thatcher também surgiu por razões de electability. À época, no contexto, soou bem. A política democrática precisa destas coisas. Precisa, para citar um famoso gestor nacional, de ser “sexy”. Que sexy seja o paleio “eco”, do “debt relief” e do “social action”, paciência, não gosto, mas aceito. O grande problema é se Cameron acredita realmente naquilo, para além da necessária retórica tipo delegado de propaganda médica. No caso de Thatcher, não foi apenas a retórica que soou bem, foi a acção que resultou bem. É que, se Cameron acredita mesmo naquilo, arrisca-se a perder duas tradições, sem criar nenhuma. Arrisca-se a perder a tradição thatcherista, sem regressar à old Tory, fazendo de si apenas um clone de Blair, com uma base eleitoral ligeiramente diferente.
Mas a verdade é que é preciso esperar para ver. Até porque ninguém sabe como se vai sair o sr. Brown nas próximas eleições. E se sair bem, Cameron talvez passe também ele para o cinzeiro da História, como os outros antes dele. Por isso, espero que ganhe e espero que aquela converseta ao estilo dos livros de auto-ajuda não seja mais do que isso: converseta.
por Anónimo @ 9/25/2006 04:02:00 da tarde
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