Passos Perdidos
A Encruzilhada
Portugal não sabe que caminho seguir para enfrentar os desafios colocados pela moderna globalização, e os principais partidos, PS e PSD, não têm condições para fazer essa escolha.
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Os portugueses já se habituaram às notícias de fechos de fábricas. Nos últimos anos, estas têm-se tornado recorrentes. Tal como a animada comoção que rodeia o acontecimento. O que tem escasseado tem sido, por seu lado, a compreensão do fenómeno. Ninguém parece perceber por que razão essas fábricas fecham, ou, se alguém o percebe, finge não perceber. Finge não perceber que tais notícias são a consequência natural da globalização, e da incapacidade portuguesa de a ela se adaptar.
O que poderia fazer o país? Poderia, como pretendem os sindicatos, garantir, através do Estado, a protecção desses empregos que não têm capacidade competitiva de sobreviver. Tal opção constituiria um desvio de recursos das empresas que produzem riqueza para empresas que apenas a irão consumir. Mas a alternativa é, pelo menos a curto prazo, o desemprego de um número significativo de pessoas, e a fuga de capital para fora do país. De facto, a globalização parece colocar Portugal num particular dilema: país demasiado pobre em recursos e qualificações, e portanto, sem capacidade para competir com a concorrência estrangeira, é demasiado pobre para ficar entregue a si próprio.
Na realidade, se perguntarmos a um qualquer cidadão português se ele quer pagar mais ou menos impostos, certamente que ele responderá que quer pagar menos. Se lhe perguntarmos se ele prefere um sistema de saúde público ou um privado, dirá que prefere o público. Não lhe ocorre que o Estado, para lhe dar a protecção que ele deseja, precisa de parte da sua riqueza, parte da riqueza do seu vizinho, que retira mensalmente do que ganha pelo seu trabalho. O que escapa ao comum cidadão português é a noção de que qualquer opção política tem custos. O Estado-Providência, do qual o comum cidadãos português não quer abrir mão, tem custos. Cada vez maiores. Precisa do dinheiro dos contribuintes. A tendência demográfica que se observa em Portugal apenas agravará esses custos. Teremos cada vez mais pessoas, e durante mais tempo, a beneficiar da protecção. E cada vez menos pessoas para a garantir. O que significa que esse grupo cada vez menor de pessoas terá de ser cada vez mais sobrecarregada com os custos dessa protecção.
O que se pode fazer? Uma opção seria a privatização dos serviços que o Estado hoje presta, garantindo que aqueles que, por si só ou pela ajuda da família ou da comunidade, a eles não podem aceder, tivessem, por parte do Estado, a ajuda necessária para o poderem fazer. Essa opção faria com que se reduzisse a carga fiscal, tanto sobre as empresas como sobre os indivíduos. Mas tal como a manutenção do Estado-Providência, tal opção teria custos. Os indivíduos teriam maior responsabilidade sobre os gastos em serviços como a saúde e a educação, teriam responsabilidade sobre o dinheiro que ganham e a forma como o gastam. E estariam, sim, mais desprotegidos. Tomar as suas próprias decisões e arcar com as responsabilidades das decisões que se tomam implica alguma dose de incerteza. Ainda para mais, o levar a cabo das reformas que tal opção política implicaria, significaria, a curto prazo, uma série de sacrifícios a uma série de pessoas.
Estas escolhas inevitáveis, e os inevitáveis custos que implicam, seja os custos da protecção dos empregos tornados obsoletos pela globalização, sejam os custos da abertura total à concorrência trazida pela globalização, sejam os custos da manutenção do Estado-Providência, sejam os custos do seu fim, estão ausentes da luta política. Tanto o PSD como o PS não tratam destas questões que, a longo prazo, influirão como nenhuma outra na vida das pessoas. Nenhum dos partidos põe em causa o Estado-Providência, embora haja, do PSD, uma louvável tendência liberalizante, à qual falta sempre mais um passo (vejam-se s recentes propostas para a educação), cuja ausência implica que não exista uma verdadeira escolha entre dois caminhos que acabarão por se nos deparar.
Na realidade, nenhum dos partidos está em condições de fornecer essa alternativa. Nenhum pode dizer que a manutenção do Estado-Providência significará o empobrecimento progressivo dos portugueses, e nenhum deles pode oferecer a mudança. O PS, como escreveu Pedro Adão e Silva em recente número da revista Atlântico, arrisca-se, com a política que está a levar a cabo, a fragilizar a sua "relação com a sua base social" de apoio. E isto com uma política que (coisa que Adão e Silva, obviamente, não diz) mais não é que uma tentativa vagamente desesperada de manter o que existe. O PSD, por sua vez, é, historicamente, o partido das reformas. Foi assim com Sá Carneiro, foi assim com Cavaco. Por várias razões, já não foi assim com Durão, e muito menos com Santana. O PSD havia-se já tornado um partido de homens dependentes de uma máquina estatal que, por isso mesmo, não podem mudar. Para mais, a desgovernação de Santana minou toda e qualquer credibilidade que o PSD pudesse ter, e sem credibilidade, nenhum voz pode pedir os sacrifícios que a mudança exige, para que possa permitir que se obtenham proveitos.
Assim, continuamos a ter dois partidos que perpetuam a ilusão de que tudo pode continuar na mesma, em vez de termos uma clara alternativa entre um partido que defenda a muito legítima preferência por um modelo que, à custa de menor riqueza, proporcionará uma maior segurança aos indivíduos, e outro partido que defenda a (do meu ponto de vista preferível) preferência por um modelo de menor protecção, mas onde os indivíduos tenham a oportunidade de poderem vir a viver um pouco melhor. PS e PSD, pela sua própria natureza, pela própria natureza da conjuntura política que atravessam, mostram-se incapazes de oferecer uma escolha aos eleitores. Nenhum pode oferecer uma alternativa ao que existe. E nenhum pode oferecer uma alternativa ao que oferece o outro. Condenam-se assim à sua própria irrelevância. E pior, condenam o país à encruzilhada com que se deparou.
por Anónimo @ 7/01/2006 10:48:00 da tarde
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