O dumping revisto e diminuído
Artigo publicado no nº44 da Dia D (17-07-06)
Foi anunciada, no passado mês de Março, a imposição de tarifas punitivas às importações de sapatos provenientes da China e Vietname para a UE. Segundo a Comissão Europeia, ambos os países estariam a subsidiar as exportações do referido produto o que os torna culpados da prática de “concorrência desleal” segundo a legislação anti-dumping que vigora no espaço comunitário.
Abstraindo-me, por agora, de ser comum a prática de subsídios a determinadas indústrias dentro da UE, o que a torna alvo de fundadas acusações de duplicidade de critérios, proponho-me analisar a bondade e a oportunidade da legislação anti-dumping.
Segundo a legislação em vigor, constitui dumping a prática de um preço inferior ao normal (no mercado de origem). Este pode tomar a forma de um preço de curto-prazo que tenha por objectivo eliminar a concorrência num determinado mercado ou, como no exemplo acima exposto, a diminuição artificial do preço de um produto através da concessão de subsídios estatais.
Este conceito apresenta, no entanto, uma série de problemas. Em primeiro lugar, é perfeitamente natural que o objectivo de qualquer empresa é tornar-se monopolista no seu mercado-alvo (é claro que a definição do mercado relevante para a empresa e organismos reguladores nem sempre é coincidente). Que este desiderato não seja obtido por meios que não resultem da preferência que os consumidores atribuem ao seu produto deveria ser (mas infelizmente não é) a nossa única preocupação.
Em segundo lugar, a decisão de vender produtos abaixo do seu preço de custo apenas deve preocupar (para além da concorrência) os donos da própria empresa. Ao assumir, conscientemente, um prejuízo por cada unidade de produto vendido, os proprietários estão a abdicar dos possíveis lucros. Os consumidores (que deveriam ser o objecto de uma verdadeira política da concorrência) ficam a ganhar pois beneficiam da possibilidade de comprar o mesmo produto a um menor preço e aumentam, desta forma, o seu rendimento disponível.
É claro que esta prática não será, na maioria das vezes, sustentável a longo-prazo. Os prejuízos apenas são sustentáveis num curto espaço de tempo e prejudicam a rentabilidade da empresa. É de esperar que, passado o período da “promoção”, a empresa aumente o preço do seu produto ou abandone o mercado, o que parece sustentar a razão da legislação anti-dumping (motivada pelo suposto perigo de a empresa conseguir eliminar a concorrência e impor os preços mais elevados). O que o legislador se esqueceu é que, a não ser que existam grandes barreiras à entrada neste mercado - o que apenas costuma ser possível com o beneplácito estatal, da mesma forma que a redução do preço leva as empresas a abandonarem o mercado, o seu aumento funciona como um convite à sua entrada. Para além disso, incentiva a utilização de eventuais produtos substitutos ou técnicas de produção alternativas que se tornam mais baratas em termos relativos.
A própria diminuição do preço constitui um poderoso incentivo para a concorrência investigar métodos que lhe permitam reduzir os seus custos de produção e reduzir os preços praticados. Com isto conseguem-se os famosos ganhos de produtividade que, a longo-prazo, constituem o único factor que permite o crescimento económico sustentado.
Por último, resta-nos a acusação de a vantagem ter sido obtida graças às ajudas estatais. Quando o Estado subsidia determinada empresa (ou conjunto de empresas) fá-lo utilizando uma determinada soma obtida pela colecta de impostos, a qual terá necessariamente incidência sobre outros sectores de actividade. Estamos, desta forma, a penalizar empresas com estratégias que tiveram sucesso (afectadas negativamente pela colecta fiscal e que não beneficiam de subsídios) e a premiar outras menos eficientes que, no caso em questão, não conseguiam obter sucesso nos mercados de exportação.
Se o país em questão for o nosso temos toda a razão em nos opormos a esta prática. Porém, se se tratar de um país terceiro apenas lhe deveríamos mostrar gratidão. No fundo, os principais beneficiários dos seus subsídios são, não as empresas que os recebem mas sim os nossos consumidores.
por Miguel Noronha @ 7/18/2006 01:13:00 da tarde
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