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Uma alma conquistada
José Luís Pinto de Sá escreveu um livro de memórias a que deu o nome Conquistadores de Almas. Pinto de Sá foi militante maoísta durante as crises académicas de finais dos anos 60-princípios dos anos 70. Foi essa militância que o levou à prisão antes do 25 de Abril. Pinto de Sá conta que falou sob tortura, denunciando camaradas seus, naquilo que terá sido um episódio pessoal dramático. Curiosamente, Pinto de Sá voltou a ser preso depois do 25 de Abril, desta feita por um motivo ainda mais arbitrário: enquanto que antes ele pertencia a uma organização clandestina cujo objectivo declarado era o derrube do regime (e, também, do capitalismo em geral), depois foi apenas acusado de “colaboracionista” com o fascismo. Sem acusação formal nem culpa formada, só saiu da prisão em 1976. Ainda está por fazer a história da violência durante o PREC. Como e por quem foi feita, e com que objectivos exactos. O pouco que se sabe é que o número de presos políticos praticamente decuplicou entre o final do Estado Novo e o ano de 1975 (antes existiriam entre 200 a 300 presos políticos, durante o PREC esse número passou para valores indeterminados, até por ausência de exacto registo estatístico, mas que andará entre os 2.000 e os 3.000). Sabe-se também do uso generalizado da tortura.###
Pinto de Sá deu uma entrevista ao DN na passada 3ª feira, na qual diz coisas eminentemente sensatas, a começar pela “revelação” do segredo de polichinelo acerca da morte de Ribeiro dos Santos: a de que ela teve carácter sobretudo acidental, causado pela provocação violenta de dois membros do MRPP a um PIDE que eles próprios tinham mandado chamar. Mais sensata ainda é a constatação de que “naquele tempo [na esquerda] só Mário Soares e Salgado Zenha é que lutavam pela democracia. Ninguém lutava pela democracia. Lutávamos por uma ditadura diferente”. Pinto de Sá tem uma explicação para o facto de muitos dos que lutaram pela tal “ditadura diferente” não reconhecerem que o fizeram: “alguns dos dirigentes deram uma certa volta e conseguiram enquadrar-se no sistema burguês que criticavam. Para eles será difícil fazer uma autocrítica e tentam estabelecer uma continuidade entre a actividade que têm hoje e aquela que tinham há 35 anos”. Isto é bastante exacto. Quando certos historiadores narram e analisam o que se passou há 30 e 50 anos atrás, usando os métodos da disciplina e uma linguagem até mais neutral do que a de Pinto de Sá (embora não dispensando a sua opinião), são acusados de querer “branquear” um determinado passado e “demonizar” outro. As palavras de Pinto de Sá mostram que o problema não é esse. Não são os historiadores que querem “branquear” o que quer que seja. São essas pessoas que se querem branquear a si próprias. E que maior ameaça podem eles sentir do que uma análise desapaixonada acerca do que se passou em certas alturas e do lugar que, quanto mais não seja implicitamente, essa análise lhes atribui?
por Anónimo @ 6/23/2006 12:25:00 da tarde
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