Os sinos dobram por nós
Timor, intervenções humanitárias e os custos da paz
Em 1999 o país emocionou-se com Timor. Estendeu lençóis brancos nas janelas, deu as mãos nas ruas, viu a independência, voltou para casa e esqueceu o assunto. Agora que os confrontos voltaram à ilha, a estranheza é o primeiro sentimento que surge nos nossos espíritos. Terá tudo sido em vão?
Perceber o porquê implica procurar os erros cometidos, tanto pelos timorenses, como pela denominada comunidade internacional. Sucede que, se as falhas dos primeiros poderão facilmente ser explicadas, devido à inexperiência e falta de condições que permitissem o bom funcionamento do Estado, os erros da segunda são mais difíceis de compreender. A pergunta repete-se e com maior ênfase. O que falhou?
A resposta encontra-se na desvalorização do papel da guerra e no subestimar do custo da paz. Nas sociedades ocidentais é cada vez mais comum a defesa de intervenções humanitárias e de operações de manutenção de paz. O Ocidente adquiriu o gosto por estas acções como forma, primeiro, de reavivar o sentimento paternalista que tem sobre o resto do mundo e, em segundo, atenuar os sentimentos de culpa de quem vive na abundância, enquanto o resto da humanidade habita na pobreza.
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O Ocidente ferido com estas duas marcas, não suporta a guerra, nem aguenta o esforço que a paz implica. Pretende, a qualquer custo impedir a primeira e, de qualquer maneira despachar a segunda. Portugal foi para Timor há sete anos, para limpar o nome de um processo de descolonização vergonhoso e voltar quanto antes. Em 1999, os portugueses saíram para a rua não para ajudar os timorenses, mas para limpar a consciência dos erros do passado.
Por muito que nos custe, há tensões que apenas a guerra resolve. Apostar numa paz podre que apenas adia o conflito, nem sempre é a melhor solução. Além do mais, o medo em se comprometer com a paz, conduz a intervenções de cariz humanitário a maioria das vezes impreparadas para os fins que se buscam atingir. É que impor a paz implica usar a força o que, para quem tem os traumas acima mencionados, não é manifestamente fácil. A juntar a este fenómeno, está a opinião pública ocidental que, dificilmente, apoia um governo pronto a enviar rapazes e raparigas para morrerem em locais que se ignoram.
Por esta razão os meios são escassos. A paz não vale a morte dos soldados, nem qualquer acto violento que manche as boas intenções das nações ocidentais. Não colhe recursos financeiros avultados e implica uma pequena percentagem dos meios militares. Ao passarem por forças de suporte psicológico às nações mais ricas, pouco têm de verdadeiramente militar. Ao não serem militares, tornam-se como que intrusas no campo de batalha.
As intervenções humanitárias partem do pressuposto que tudo tem solução económica, esquecendo que os conflitos têm razões políticas, sociais, religiosas, culturais ou a soma de todas elas. Resolvem-se não através de terceiros, mas por eles próprios, por via do seu confronto. Para tal é imprescindível procurar o equilíbrio de poder enquanto é tempo, ao invés de tentar andar em cima do fio da navalha quando já é tarde. Não dar preferência às soluções económicas para problemas políticos, bastante mais difíceis e arriscadas. Não usar o lado emocional das pessoas como critério de decisão para o envio de tropas, tantas vezes mal preparadas. Ter consciência que a paz não se conquista no imediato, mas é fruto de trabalho difícil e de muitos anos. Será transformando o conceito de intervenção humanitária, não o encarando como unicamente militar mas, antes de mais, como diplomática, que ela poderá ser eficaz. Apostar na diplomacia a longo prazo e não utilizar, em proveito dos governos eleitos, o lado emocional das populações, esse grande trunfo que surgiu com a democracia.
por André Abrantes Amaral @ 6/07/2006 10:29:00 da manhã
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