pequena fuga
Cabe aos pais educar os filhos, prepará-los para a vida, passar-lhes experiências e sabedoria, fazendo-os entender que um adulto age em liberdade, mas que em contrapartida tem de assumir responsabilidade pelas consequências dos seus actos— não só aqueles que prejudiquem direitos de terceiros, como aqueles que só prejudiquem o próprio. Assumir responsabilidades perante uma vida que nem sempre é fácil, não é certamente fácil: exige maturidade e portanto obriga o indivíduo a crescer, por vezes depressa demais. Contudo, é a única maneira de depender de si próprio e ser capaz de merecer as recompensas que a vida também reserva. A alternativa é uma vida sem responsabilidades ou preocupações, mas igualmente sem liberdade ou perspectivas, e a isso chama-se servidão.
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Estes princípios dizem-se "conservadores"— palavra com conotação algo negativa nos tempos progressistas que correm. Mas serão os nossos tempos "progressistas"? Não se queixam todas as gerações do "progressismo" e da decadência moral da juventude? Atendamos à frustação daqueles que observam que tantos séculos de história de contestação social não substituiram os valores conservadores, tão universais, por outros "melhores".
Os sistemas de princípios comportamentais estão sujeitos a um regime de competição de ideias. Não comandam a vida dos indivíduos, mas influenciam-na decisivamente. Ajudam os indivíduos a perpetuarem os seus genes, mas também a passarem os seus valores à geração seguinte. É um sistema evolutivo. Na evolução natural, o material genético dos progenitores não se altera com alterações físicas aquiridas, pelo que estas não podem ser legadas aos seguintes. Na "evolução dos princípios" o indivíduo pode aquirir conhecimentos que pode passar a quem o sucede.
O processo poderia ser caótico, tal é a profusão de ideias e de conceitos que a nossa sociedade acolhe. Mas, sem surpresa, os princípios fundamentais da sociedade baseiam-se em práticas que potenciam o desenvolvimento dos indivíduos através da estabilidade dos agregados que eles formam. As sociedades auto-destrutivas, ou elementos com essas características, eventualmente cumprem o seu destino.
Filhos que hostilizem os pais dificilmente passarão valores de estabilidade familiar aos seus próprios filhos. Pais que maltratem os filhos terão dificuldade em serem suportados na sua velhice. Por via deste mecanismo, surgem frequentemente gerações de famílias presas em círculos viciosos difíceis de quebrar; mas quem os quebra e retoma princípios sãos, acaba por progredir. Este fenómeno é transversal à sociedade. Há uma "linha de simetria" que faz com que bons princípios uma vez seguidos, tendam a fazer elevar a condição dos indivíduos, e uma vez ignorados, façam reverter o sucesso à mediocridade. A maldição da "terceira geração", que se aplica às grandes fortunas, é exemplo: a moral é que os valores materiais não são substitutos dos valores tradicionais de esforço, trabalho e responsabilidade.
A maravilha dos valores conservadores, quando liberalmente aplicados, é que permitem o gozo da vida. Uma pessoa pode dedicar-se à borga e boémia, desde que faça por sustentar essa vida honestamente, e se responsabilize por todas as consequências. Pelo facto da sociedade permitir a borga e a boémia, e portanto a felicidade e a desgraça dos indivíduos, até é possível que quem adopte esse estilo de vida acabe por encontrar subsistência nesse mundo que escolheu. O sistema permite que actividades "moralmente criticáveis" sejam viáveis, se forem honestas— ou seja, se não prejudicarem terceiros.
A alternativa é o proibicionismo, pelo gozo egoísta de interferir com a vida de outrem. Menos chocante mas igualmente pernicioso é o proteccionismo.
O proibicionismo funciona como o progenitor que proíbe o filho de fazer determinada acção "porque não". Ao descartar-se do difícil encargo de educar (fazer entender que há actos com consequências indesejáveis), o progenitor faz passar a mensagem que o que está errado é desobedecer. Para a mentalidade proibicionista, o que está errado é a não-conformidade com o autoritarismo esclarecido.
O proibicionismo autoritário pode ser "conservador" (se impuser valores tradicionais contra a vontade dos indivíduos), ou "progressista" (se impuser valores da moda política ou social). Mas sobretudo só pode ser baseado no poder. Obrigar pessoas a fazer o que não querem ou proibi-las é coacção. Que só se justifica quando é reacção a uma agressão de direitos de terceiros, caso contrário é violência. O monopólio da violência é de uma entidade: o Estado— legalmente, só o Estado pode fazer de "pai tirano" para adultos que deviam ser livres. E muitos adultos aceitam, e assimilam a mentalidade infantil "se eu não tenho (ou não posso ter, ou não quero ter), tu também não".
Para o proteccionista, é preciso subverter as lições da vida exagerando as recompensas pelas boas condutas. O proteccionismo equivale ao progenitor que mima os filhos na esperança que o deslumbramento pelas recompensas seja inducente de comportamentos certos— recebendo em troca adulação que o cega para o facto de estar a criar uma dependência que não é sustentável.
Analogamente ao proibicionismo, o proteccionismo só pode ser aplicado com meios para distribuir. No caso do Estado, por impostos, que nunca são voluntariamente cedidos. A "mamã" retira a uns filhos para dar àqueles que quer agradar. É coacção, baseada na "compra" dos princípios das pessoas com o dinheiro subtraído a todos. Os adultos, assim tratados, fazem birras de ciúmes à espera de receberem quota-parte dos mimos.
Proibicionismos e proteccionismos— aqueles que procuram contrariar os valores "conservadores liberais"— estão errados porque retiram ao mecanismo da competição de ideias ("lei" natural que não pode ser abolida por decreto) um factor importante para a manutenção da estrutura da sociedade. É pela comparação e interacção entre as pessoas que os indivíduos que se "transviaram" podem retomar práticas "boas" que os arranquem da decadência. Quando a possibilidade de comparar é sonegada, ou adulterada, nem é a virtude tende a ser naturalmente recompensada, nem é o vício exposto na sua crueza. Como a virtude exige sacrifício e o vício proporciona prazer, a escolha entre liberdade-e-responsabilidade e proibicionismo é a escolha entre a possibilidade de poder melhorar a vida, e a certeza do declínio material e moral.
Esta analogia é imperfeita. Os pais têm de facto poder legal e responsabilidade civil pelas acções dos filhos. Podem impor-lhes condições contra a sua vontade— e é assim que tem de ser. Mas tem o Estado de tratar os seus cidadãos como filhos rebeldes? Tem que obrigá-los a fazerem "o que é melhor para eles" ou "o que é melhor para a família"? É assim que tem de ser? Não é altura dos cidadãos "crescerem" e reclamarem um tratamento como adultos?
É que a alternativa é uma vida sem responsabilidades ou preocupações, mas igualmente sem liberdade ou perspectivas, e a isso chama-se servidão.
por AA @ 4/07/2006 01:45:00 da tarde
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