15.3.06

Pontos de Fuga

Com todas estas operações de concentração, voltam a surgir os tradicionais defensores de apertadas leis de concorrência, as quais serviriam para demonstrar, alegadamente, que o mercado deixado à sua sorte acabaria por provocar situações de monopólio. Proponho-me aqui reflectir no sentido inverso, tentando demonstrar que não é o mercado livre que exige normas de concorrência mas sim o mercado com excessiva intervenção estadual. Em suma, proponho-me dizer que a existência de leis de concorrência anti-concentração são, antes de tudo o mais, a demonstração de que o Estado interveio demais onde não deveria.

Em primeiro lugar, é importante notar que quase nenhuma economia europeia pode ser considerada verdadeiramente liberal e que, apesar disso, os casos de concentração económica são frequentes e abundantes. Ou seja, a concentração económica não é um sinónimo do livre mercado nem pode ser assumida como consequência natural de políticas liberais. Antes pelo contrário.

Se um mercado funcionar em condições de total liberdade, a procura e a oferta acomodam-se mutuamente, numa relação há muito conhecida e que não tem grandes especialidades: a oferta tenta seduzir a procura, satisfazendo as suas necessidades e criando novas oportunidades. Em condições de plena de liberdade de acesso à actividade e ao mercado e de integral liberdade de escolha, o monopólio só acontece quando um dos fornecedores se destacou de tal forma perante os outros, em preço e qualidade, que conseguiu que toda a procura o preferisse a ele, levando os restantes a abandonar o mercado. Até aqui, o problema não se coloca porque, neste caso, o monopólio é fruto da liberdade de escolha. O problema começa quando esse fornecedor, porque em monopólio, começa a cobrar preços não razoáveis ou a prejudicar a qualidade, restringindo a possibilidade dos indivíduos acederem a oferta de qualidade e de preço aceitável. Nesse momento, sai quebrada a relação entre a oferta e a procura.
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Ora, num mercado livre, o fornecedor monopolista não pode atrever-se a quebrar essa relação, porque sabe que a qualquer momento podem entrar novos fornecedores no mercado, dispostos a seduzir a oferta e a lucrar com a anquilosidade da oferta monopolista existente. O fornecedor monopolista, se assim quiser continuar, terá de manter os seus preços e a sua qualidade num nível tal que impeça outros fornecedores de achar atractiva a sua entrada no mercado. E estes só não vêem atractivos, se a procura estiver satisfeita. Portanto, não há problemas de maior.

Na esmagadora maioria das situações, o problema da concentração económica só existe porque o Estado insiste que tem de intervir na economia e não consegue viver sem o fazer. Seja através de impostos, seja através da legislação laboral, comercial, ambiental, registral ou notarial, seja através da imposição de requisitos de acesso à actividade que são verdadeiros incentivos à não entrada no mercado. Em caso de monopólio, o fornecedor monopolista sabe que os novos operadores vão ter tanta despesa e burocracia e ter de superar tantos obstáculos antes de conseguir entrar no mercado, que ele tem a certeza que pode quebrar a relação entre a oferta e a procura porque muito dificilmente alguém se sujeitará, em tempo útil, a entrar no mercado para se aproveitar dessa quebra de relação.

Mas, se num acaso de sorte, apesar de todos os obstáculos, alguém decide entrar no mercado, com novas técnicas, novas práticas, novos mecanismos laborais, novas inovações e novas perspectivas, logo os fornecedores monopolistas sabem que podem recorrer à pressão política, comunicacional e social que o seu estatuto de velhos e tradicionais fornecedores lhes confere. Pedem então ajuda ao governo, no sentido de proteger o mercado destes novos fornecedores que desafiam as posições instaladas. Pior ainda se os novos fornecedores forem estrangeiros, como é provável que sejam, atentas as dificuldades que o Estado impõe. Surgem assim os benefícios fiscais, os financiamentos, o proteccionismo e toda uma plêiade de mecanismos destinados a proteger quem está e impedir quem chega. E ao proteger quem está, permite-se a quebra continuada e sistemática da relação entre a oferta e a procura. E quanto mais o Estado intervir, menos probabilidades existem de novos fornecedores entrarem no mercado para restabelecer essa relação.

As normas relativas à concentração económica têm, por isso, uma importância enorme nos dias que correm. Não para regular o mercado, como se diz. Mas para evitar os danos causados pela excessiva intervenção estadual na economia, ao serviço dos mais altos valores da justiça social.