O Rapto da Europa
Há cerca de um ano, um conhecido contou-me que tinha recebido subsídios para “agricultura biológica”. Como não podia usar pesticidas a cultura estava infestada de ervas daninhas e nada poderia colher dali. Contundo ele não estava preocupado. O montante do subsídio mais do que cobria o valor de mercado de uma colheita equivalente.###
Todos conhecemos histórias semelhantes. De como, em certa zona do Alentejo, os jipes eram conhecidos como “charruas” pois, grande parte deles, tinham sido adquiridos com dinheiro "desviado" de subsídios ou de culturas que ficaram a apodrecer nos campos pois o subsídio apenas implicava o cultivo e (não a comercialização) de uma determinada espécie.
Como já adivinharam estou a falar dos subsídios agrícolas comunitários, mais especificamente da PAC.
Vem isto a propósito de um estudo da Universidade de Évora que saiu hoje no Público. Este refere que cerca de 80% das áreas de cultivo em Portugal dependem dos subsídios para se manterem activas. Dito de outra forma, enquanto existir a PAC muitos dos nossos recursos serão afectados mais de forma a garantir os euros de Bruxelas do que para produzir aquilo que o mercado está disposto a comprar. Os agricultores e as suas associações também se tornaram especialistas em pressionar os decisores políticos sempre que é falada qualquer reforma que ponha em causa os “seus rendimentos”. Como se em vez da retribuição do mercado pelos seus produtos este constituísse um direito divino.
Estas políticas de “subsidiação” distorcem por completo os mercados e impedem que se faça uma reafectação dos recursos para sectores mais produtivos e viáveis. Penaliza os eficientes e premeia os ineficientes. Ou seja, fazem-nos ficar mais pobres.
Como por diversas vezes referi, outro efeito perverso consiste em tornar artificialmente mais baratos os produtos agrícolas produzidos na UE. Isto impede que países do chamado “Terceiro Mundo” consigam exportar os únicos produtos onde poderiam ser competitivos. De forma a apaziguar as nossas (pesadas) consciências de tempos a tempos, associamo-nos a estrelas rock e enviamos-lhe uns cheques, a maior parte dos quais acaba nas contas off-shore dos ditadores locais ou nos bolsos de funcionários corruptos.
Numa altura em que vários países-membros pedem a redução das suas contribuições para o orçamento comunitário, sugiro que comecem por aqui. O orçamento de 2005 consagrava cerca de 43 mil milhões de euros à PAC (cerca de 44% do total orçamentado). Estima-se que os seus destinatários não representassem mais de 4% do total da população dos países-membros. Em suma, ficávamos (quase) todos a ganhar.
por Miguel Noronha @ 3/21/2006 08:40:00 da manhã
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