Chamada à realidade
Entrou ontem em funções o novo Presidente da República. Embora seja motivo de regozijo o fim do mandato de Jorge Sampaio e do monopólio da função presidencial pelos partidos mais à esquerda, não deixa de ser oportuno uma diminuição das expectativas por todos aqueles que perfilham os ideais do liberalismo.
Sejamos claros. Como ficou patente durante os 10 anos em que exerceu o cargo de Primeiro-Ministro, os ímpetos "liberalizantes" de Cavaco Silva são ditados mais pela circunstâncias do que por qualquer motivação ideológica. Se bem se recordam, grande parte das reformas foram justificadas por "pressões externas" (nomeadamente por uma qualquer directiva comunitária) ou pela constatação do falência do modelo vigente. Embora considere este último ponto positivo, não deixo de questionar qual teria sido a sua conduta caso a conjuntura fosse outra e a falência do sistema não se vislumbrasse senão num futuro distante. Embora não partilhe a mesma visão "socializante" do PCP, do BE e da "ala esquerda" do PS, Cavaco Silva partilha a ideia do Estado como "director" da sociedade. A "pujança" da iniciativa privada é valorizada mais como uma fonte de obtenção de receitas fiscais (de que necessita para realizar "obras estruturantes") do que como um sinal de autonomia da sociedade civil.
Pelo que acima ficou exposto, o pensamento estratégico de Cavaco Silva não difere muito do de José Sócrates. Como já foi referido por muitos comentadores, não são de prever muitos "choques" entre os dois com a provável excepção de eventuais questões tácticas e outras de pormenor como, por exemplo, o referendo sobre o aborto.
Desiludam-se pois os que esperam mais do novo Presidente. Como referia ontem Eduardo Moura no Jornal de Negócios: "Nunca, desde o 25 Abril, a Presidência e o Governo estiveram tão conjugados. No plano político e no plano pessoal".
Nota: Hoje, no Diário de Notícias, João Miguel Tavares refere que a escolha dos assessores do novo PR (nomeadamente Carlos Blanco de Morais e João Carlos Espada) sinalizam uma "viragem à direita". Fazendo a ressalva que "direita" não é sinónimo de "liberal", resta saber se estas escolhas consubstanciarão o significado que JMT lhes pretende atribuir.
por Miguel Noronha @ 3/10/2006 10:56:00 da manhã
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