21.1.06

Sobre os Impostos, «Investimento de Fora» e as «Empresas cá de dentro»

A fiscalidade é o principal instrumento (stricto sensu) - certos economistas defendem que, latu sensu, é o único - utilizado pelo Estado para se financiar; este imperativo de receita, supostamente, orienta-se por princípios de justiça. Constitucionalmente, em Portugal, os impostos são a resultante da não muito compatível conjugação dos Princípios da Igualdade e da Justiça Distributiva, que conduz a uma tributação progressiva, na tributação directa, e por escalões, na tributação indirecta (aqui, para que se possa atender à suposta necessidade de tributar de acordo com a capacidade contributiva de cada um, fixam-se distintas taxas em função da natureza dos bens; é o caso do IVA e do Imposto Automóvel). Há, ainda, um certo juízo «moral» na forma como o Estado define a sua receita, ao tributar de forma particularmente onerosa o tabaco, as bebidas ditas alcoólicas, os prémios de jogo, os carros, a gasolina e o crédito.

O nosso sistema fiscal peca por ser tão complexo que a dada fase trai, na sua aplicação concreta, todas as finalidades a que se propõe (sejam elas válidas ou não no plano das mais diversas ideologias). Quem acompanhe de perto o dia-a-dia da fiscalidade em Portugal constata que impera a arbitariedade, não só porque existe uma enorme assimetria contributiva, não havendo uma correcta distribuição da carga fiscal pelos diversos agentes económicos e distintos cidadãos (basta ver quem é que, em rigor, suporta a maior parte da carga fiscal), quer porque a lei não está adaptada nem à máquina fiscal que temos nem aos novos tempos, os quais perante a evolução tecnológica exigem regras mais simples para que a busca de eficiência não se transforme, ela própria, em fonte de iniquidade e prepotência.

Em tese, e abstraindo de princípios de justiça, a concessão de benefícios fiscais pode ser, se cirurgicamente atribuídos, fonte de riqueza (numa visão míope que se esgota no contexto da jurisdição nacional) sem que haja, em concreto, uma violação grosseira da igualdade que merecem todos os contribuintes. Desde logo, existem duas regras básicas para que tal ocorra:

a) A produção da empresa a quem se concedem tais benefícios esteja vocacionada para a exportação;

b) Para que tal benefício não seja ele próprio fonte de disorção da concorrência, o produto em questão, no seu sector específico e na respectiva cadeia de valor, deverá ter uma presença nula ou pouco relevante na nossa economia.

A Auto-Europa representa o melhor exemplo da forma como a concessão de certos benefícios fiscais pode ter o tal «efeito reprodutivo» na economia de que os políticos sociais democratas e socialistas tanto gostam de apregoar; em rigor, antes da Auto-Europa, o peso da indústria automóvel em Portugal era pouco relevante; acresce que a Auto-Europa está sobretudo vocacionada para a exportação, pelo que as empresas que já se dedicavam a esta actividade em Portugal passaram a beneficiar do forte desenvovimento que se gerou em Portugal, em redor desta unidade fabril, na cadeia de valor; a Auto-Europa é hoje a empresa portuguesa com maior peso nas exportações; e é responsável pelo fortalecimento de uma indústria de componentes que se desenvolveu em seu redor (na cadeia de valor do produto automóvel), que doutra forma dificilmente se afirmaria, unidades fabris que são elas próprias exportadoras.

No caso da Auto-Europa, pode discutir-se se a concessão de benefícios directos (como apoios à formação) faz sentido, e se devem os portugueses suportar esse encargo.

Nesta linha se enquadra também a dinamização do Porto de Sines, um investimento que tem tido elevados encargos para o país desde a sua construção e que está longe de ser devidamente rentabilizado.

O apoio à IKEA é, sem dúvida, uma péssima opção, e demonstra a dificuldade que o Governo português tem em compreender as mais elementares regras do mercado; a IKEA é um concorrente directo de um conjunto vasto de empresas que se inserem num sector que, em Portugal, tem uma forte tradição e implementação: o mobiliário. No Minho, em redor do Porto, na cintura de Aveiro, pelo menos aqui, existem diversas unidades fabris de grande importância económica que, com esta iniciativa governamental, ficam numa posição concorrencial duplamente prejudicada: pela forte carga fiscal a que estão sujeitas e pela situação de favorecimento de uma das empresas que maior concorrência lhes tem oferecido.

Enquanto português, foi particularmente ridículo e doloroso assistir ainda à tentativa de alinhar este apoio com a filosofia do «Plano Tecnológico», fazendo passar a mensagem que são empresas como a sueca que o país precisa; não discuto que a IKEA tem um modelo empresarial inovador; mas a massa crítica desta empresa em termos de inovação não se irá concentrar em Portugal pela deslocalização para Ponte de Lima de uma parte da sua produção destinada aos países do Sul da Europa. A IKEA, sem benefícios, já recorre a diversas empresas portuguesas no plano da produção, sem que isso gere um particular «upgrade» em termos de conhecimento industrial. E que dizer deste post nos Bichos Carpinteiros? Ai se conclui, que Portugal está na moda, e só os empresários domésticos não terão percebido isso. Já agora, quem tão bem repreende os empresários domésticos, porque não experimenta abrir uma empresa em Portugal, não como «estrangeiro» com estatuto especial, mas enquanto empresário nacional? Passando a pagar 25% de IRC, adiantando para os cofres da Fazenda 21% do IVA que nem sempre os seus clientes (entre os quais o Estado) lhe pagam; suportando taxas incríveis de imposto automóvel, imposto sobre os produtos petrolíferos, Imposto do Selo nas suas operações bancárias correntes, emolumentos notariais, contribuições para a Segurança Social, impostos e taxas municipais, IMT, entre muitos outros encargos. E já nem falo do peso e do custo que representa para as empresas a gestão da burocracia. É, de facto, fácil falar e dissertar ao sabor das conveniências políticas do momento, analisando o país a partir da cosmopolita e iluminada Lisboa. Bem mais difícil é ser empresário no Portugal real.

As conclusões que gostava de ler neste post seriam outras: Onde os nossos empresários poderiam estar se a tributação em Portugal não fosse tão penalizadora de quem arrisca e tem iniciativa empresarial? Devidamente desonerados, e sem dificuldades ao nível da gestão da burocracia, não poderiam surgir em Portugal, e à nossa escala, empresas como a IKEA, a Microsoft, e a VW? Com benefício óbvio para o emprego. Como seriam as nossas empresas se actuassem num quadro fiscal e regulamentar mais competitivo? Podemos olhar para os exemplos aspresentados: são um bom indicador.

Rodrigo Adão da Fonseca