O equívoco anti-religião
Este excelente post do Rui A. sobre Juan de Mariana deu origem a interessantes reacções de duas pessoas que muito prezo: o João (Noronha) e o CAA. Não tendo disponibilidade para me alongar nem dedicar a atenção que estas reacções mereceriam (e descansado pela certeza de que o Rui responderá a algumas das objecções levantadas muito melhor do que está ao meu alcance), limitar-me-ei a algumas breves considerações sobre o assunto que me parecem relevantes (parcialmente inspirados pelos comentários do CL e do Gabriel Silva a este post):
1- Redescobrir autores (ou melhor, aspectos da sua obra) relevantes que caíram no esquecimento parece-me de extrema importância, independentemente da recepção que estes autores tiveram no seu tempo. A popularidade instantânea é um fraco critério de Verdade. Tal não implica obviamente por si só a intenção de reescrever a história seja de que instituição for (ainda que haja casos em que a versão da história hoje prevalecente esteja muito mal escrita...).
2- Negar a importância crucial da Igreja (simultaneamente una e plural) no desenvolvimento do pensamento político e filosófico ocidental raia o absurdo.
3- Uma figura pode ser pioneira mesmo que a evolução a partir das suas ideias seja indirecta e que a sua expressão dessas mesmas ideias seja, pelos padrões de épocas posteriores, apenas parcial ou imprecisa. É possível que Rothbard tenha pontualmente incorrido no erro de fazer mau uso das posições da escolástica ibérica (e não só...)para suportar as doutrinas políticas da sua preferência, mas quem ler os textos de Marjorie Grice-Hutchinson ou Alejandro Chafuen sobre os mesmos escolásticos, facilmente verificará que as limitações (de uma perspectiva liberal) do pensamento político, económico e filosófico dos escolásticos se encontram devidamente assinaladas.
4- Algumas das opiniões de Juan de Mariana não são certamente aceitáveis por muitos libertarians, mas isso em nada retira que Mariana tenha em certos aspectos antecipado os modernos libertarians. O mesmo se poderá dizer, por exemplo, de Locke que, para não ir mais longe, faz assentar toda a sua teoria da propriedade e dos direitos individuais em Deus, uma "base" que não é aceitável para muitos dos actuais libertarians (crentes ou não).
5- Avaliar quais as opiniões de Mariana (ou seja de que autor for), que são compatíveis coma doutrina da Igreja é, para um católico, um empreendimento louvável mas de natureza extremamente delicada. Entendimentos demasiadamente restritivos e fechados dessa "compatibilidade", para além de imprudentes face às limitações da razão humana, arriscam-se a colocar em causa uma das maiores riquezas da Igreja: a sua diversidade na unidade. Para usar um exemplo mais conhecido (e fora do campo da filosofia política em sentido estrito), veja-se o carácter contra-producente das posições mais agressivas que foram historicamente tomadas contra os ensinamentos de Teilhard de Chardin.
6- Sendo constituída por homens, a Igreja está naturalmente sujeita a erros. Querer no entanto reduzir a Igreja a esses erros denota uma visão parcial e muito pouco objectiva, frequentemente motivada por uma incapacidade de conviver com a dimensão religiosa do ser humano.
por André Azevedo Alves @ 1/03/2006 01:50:00 da manhã
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