9.1.06

Deste lado da barricada II

Caro Henrique Raposo,

Escrevo num teclado francês, pelo que lhe peço me desculpe a esquizofrénica acentuação.
Não achei que estivesse a defender o Rodrigo, se defendeu alguém, foi a si proprio, embora nem isso me tenha ocorrido. Perdoe-me a interpretação apressada, mas o Rodrigo fez um reparo aos seus “amigos liberais” (vocês escrevem os dois no Acidental) e sendo o Henrique o que mais e melhor defende o Liberalismo no vosso blog, o seu post pode ser interpretado como resposta, amigavel e de apoio, ao reparo do seu co-blogger.
Não acusei o toque, fiquei isso sim surpreendido pelo seu post, que caso não estivesse ligado ao do Rodrigo, teria eventualmente entendido de outra maneira. Com este meu vicio de tomar as coisas pelo seu face-value, li-o na sequência do primeiro. Enfim. ###
Nunca li nada de nenhum Liberal (e pode incluir o João Miranda e o Carlos Novais nisto) que denote aversão ao Estado. Essa acusação é recorrente em quem julga ter lido Hayek ou Mises (não falo de si), mesmo que não o tenha feito. Nesses termos, Hoppe é pior. Repare que no meu post escrevi do apreço e necessidade que qualquer Liberal tem por um Estado forte e eficaz (ver Hayek, por exemplo) nas suas funções basicas, que deviam ser as unicas, o que é diferente de ter aversão à presença do Estado na maior parte dos assuntos que, por mim, entendo fazerem parte da esfera individual e onde o dito so atrapalha e tem consequências terriveis e irremediaveis. E substitua receio por desconfiança, porque não são a mesma coisa.
Sobre o seu ponto 3. subscrevo-o quase por inteiro, embora mais uma vez tenha dificuldade em encontrar exemplos. Parece-me uma questão de interpretação mais ou menos desconfiada do que alguns vamos escrevendo por aqui. O Liberalismo mais radical que tenho lido, é isso mesmo, uma atitude que não aceita compromissos ao discutir ideias, mesmo sabendo da sua impraticabilidade actual. E que não tenta, nem quer obrigar ninguém a aceita-la. Se quiser discutir a exequibilidade disto ou daquilo, vera que a coisa muda de figura. Experimente. Se quiser um exemplo, veja estes dois posts do Carlos Novais, que apesar de ter aversão ao welfare state tenta uma solução dentro do "paradigma social-democrata". E bem.
A globalização ocorre entre as pessoas, significa que, tão ou mais importante que a globalização economica, é a cultural, embora haja interdependência. Por exemplo: muito mais importante que o dinheiro arrecadado pelo MacDonald’s em todo o Mundo, é a apetência que pessoas da China a Madagascar, a Cabo Verde, a Bludenz têm para comer um Big Mac. O rapper “50 Cent” ou o José Mourinho são fenomenos da globalização. De Moscovo a Nova Deli, a Los Angeles, a Johanesburgo, passando por Lisboa, o uniforme dos miudos (que são quem faz a globalização) é o mesmo. A musica que ouvem, os filmes que vêem. So que isto so é possivel porque ha globalização economica. Por contraditorio que pareça e apesar de não ser verdade, as elites que dominam o Estado, sentem que perdem poder, com a globalização. São forçadas a globalizar-se pela pressão economica e social, não por escolha propria. Na China ha quem seja preso pelo que lê na Net. Até quando?

Os Estados têm o direito de negar a globalização, de se fecharem? “Lealdade e Coragem”, caro Henrique. Nenhum direito assiste aos Estados. So às pessoas. Têm os Estados o direito de torturar ou matar os seus cidadãos? Ou quer o Henrique dizer, os “estados” enquanto organização burocratica (o que so piora as coisas)? Ou estamos de regresso à realpolitik (que sei que odeia), ao pragmatismo nas relações internacionais (na linha do artigo da Policy Review)? Se estamos, não vejo problemas, desde que se discutam acções, tacticas e estratégias. Não no plano das ideias. Que aih, vai-me desculpar, mas não pode haver compromissos ou cedências. Estalinismo Liberal? Pouco me preocupa.

Quando separo o Estado das pessoas e das empresas, repare que normalmente escrevo “estado”. A organização burocratica que se serve a si mesma apenas. Não flutua acima das pessoas, enterra-as num pântano. Eu sei que os Estados modernos se formaram pela vontade de poucos, com guerras e revoluções decididas por minorias, mesmo que apoiadas pela maioria. Na questão da separação entre Estado, pessoas e empresas, o Henrique parece atacado dos efeitos dos filhos de Rousseau, porque parece não conceber a existência livre do individuo apesar do Estado, comunidade, o que lhe queira chamar. Ha uns tempos escrevi mais ou menos isto: “Uma criança nasceu em Março. Até Dezembro não foi registada. Existe? E tem direitos?” Donde se prova (nem o melhor comunitarista seria capaz de o negar), que o individuo enquanto tal, não depende do Estado ou da comunidade para que tenha direitos ou existência. O contrario é que é verdade. Nenhum Estado existe sem o reconhecimento dos individuos. E o resto é letra. Morta.

Os congressistas americanos (...). Actuam em nome das pessoas que os elegeram.

Caro Henrique, sobre estas duas frases escreverei um post, mais genérico, um dia destes. Eh aqui que o Henrique faz a concessão à social-democracia ingenua, porque na situação actual, com a dimensão dos aparelhos burocraticos dos Estados, simplesmente não é possivel que as coisas sejam assim (julgo que em lado nenhum eu disse que fazia concessões à esquerda). Não quero entrar numa discussão académica (ha outros melhores que eu para isso) e no fim explico-lhe porquê, mas como o proprio Henrique ja escreveu mais que uma vez, desde Maquiavel, pelo menos, que sabemos que isto não é verdade.
Outro ponto onde discordamos é se as instituições estão antes ou depois da economia. Não estão. Antes da economia, da cultura, de seja la o que for so esta o individuo, não sozinho claro, dentro de uma comunidade, dentro desta estão aquelas e so depois estão as instituições, que resultam da necessidade e evoluem. Para isto, não preciso de Weber ou de Hayek.

Se o simbolo maximo da globalização é ou não o porta-aviões chinês, não sei, mas faz sentido. O que sei é que é a dimensão, poder economico e social dos Estados que o podem tornar um simbolo. Porque so aos Estados interessa como tal. Não interessa nem às pessoas, nem às empresas. E porque não ha-de ser a Bomba Iraniana? Ou dois aviões e duas torres? No seu lado terrivel, muita coisa pode ser o simbolo da Globalização.

Como escrevi antes, não entrarei numa discussão académica, porque ha quem o faça melhor que eu e o meu interesse maior, não são as questões pré-politicas, ou politicas, é o que eu chamaria (por falta de melhor e arriscando a utilizar o termo errado) o meta-politico, as situações concretas com que temos que lidar todos os dias. Por exemplo o caso da EDP. Um exemplo do que o estado defende. Não somos nos, os que elegemos os governantes, não é o Estado, não é a comunidade. São interesses espurios dos que estão directamente envolvidos e por ser assim é que se chegou a este beco, neste caso. São anos de defesa dos interesses de meia duzia de pessoas e de empresas. E claro que se o Henrique me falar de Kant, Schmidt, Wittgenstein, Hume, Bentham ou Clausewitz fico na mesma, por isso lhe digo que não vale a pena a discussão académica. Fale-me da EDP, do funcionario, do empresario, do salario minimo, da Taxa Social Unica, etc. Aih sim, poderei dizer-lhe alguma coisa.
Notas:

O negocio em que a empresa estatal Chinesa quis comprar uma empresa privada Americana, so por anedota se pode chamar uma acção do mercado. Não é.
O livro do André Azevedo Alves e José Manuel Moreira intitulado “O que é a escolha publica” é aconselhado, para perceber que não ha Congresso, Parlamento ou Governo que decida em nome de quem os elegeu. So formalmente. E o Henrique sabe-o melhor que eu.

Um abraço forte deste lado da barricada que é o seu, quer queira quer não. Porque ela existe. Com a maxima consideração.

Helder

The State according to the Montevideo Convention, 1933

The state as a person of international law should possess the following qualifications: (a) a permanent population; (b) a defined territory; (c) government; and (d) capacity to enter into relations with the other states


O estado (minuscula)segundo Helder, 2006

Uma clique burocratica parasita, que por via do aumento da dimensão e do peso do Estado se serve a si mesma e pouco a pouco reduz as pessoas à escravidão.