18.1.06

A demonização do «Privado» (revisto)

No passado dia 10 de Janeiro, o Ministro da Defesa, Luís Amado, admitiu publicamente privatizar os Estaleiros de Viana de Castelo. A ideia, ainda em fase embrionária, dependeria de alguns factores, ainda em equação, mas teria sempre uma finalidade: «viabilizar e modernizar a empresa».

As reacções surgiram de imediato: o Presidente da ENVC (cujo emprego certamente dependerá da manutenção da empresa na esfera pública), «manifestou estranheza quanto à hipótese de privatização». Já a Comissão de Trabalhadores, antes até de conhecer as condições em que a empresa poderia ser privatizada, e qual o plano de viabilidade que o Governo teria para os Estaleiros, avisou que «se estiver na ideia do ministro a privatização, nós ficamos preocupados e [essa situação] vai merecer a nossa viva contestação». Sem dúvida uma reacção ponderada e genuinamente preocupada com o que podem ser os reais interesses dos trabalhadores: e que deveria passar, entre outros aspectos, por alinhar positivamente em processos de reorganização que tornassem a empresa mais forte.

Ontem, o auto apelidado «pai da pátria» decidiu intervir, garantindo aos trabalhadores, em visita aos estaleiros, «que poderiam estar sossegados» pois teria «garantias do governo» que a empresa não seria privatizada. Aparentemente Soares terá enviado a Luís Amado um «SOS» (parece que queria dizer, «SMS»...), o Ministro ter-lhe-á então confirmado, desde solo chinês, que «a hipótese da privatização era teórica» (ver Público de hoje, página 2).

Podia até criticar esta «brutal ingerência» na actuação do Governo, esta «deriva presidencialista» de Soares, em «contraciclo» com tudo o que este candidato tem defendido e apresentado nesta campanha. Mas simplesmente o que me preocupa é esta sistemática apresentação da «bondade» do sector público contra a «desprezível» iniciativa privada.

Se a solução «privatização» dos ENVC visava, a 11 de Janeiro de 2006, encontrar uma solução para viabilizar a empresa, porque têm os restantes cidadãos que suportar, no sector público, uma empresa pelos vistos menos viável? É esse o fantástico anúncio de Soares? Que os portugueses têm colectivamente que arcar com sectores menos produtivos? Como é que enquadra Mário Soares esta sua defesa «anti-privatização», num país tão necessitado de reformas, num momento em que se exige à generalidade dos portugueses grandes sacrifícios? E como encarar este recuo incompreensível do Governo?

Para quando um candidato que explique aos portugueses que o sector público industrial representa um ónus para a totalidade dos cidadãos, que têm de pagar a ineficiência? E agora Mário Soares é o provedor dos interesses particulares dos trabalhadores de certas empresas, em detrimento do interesse da generalidade dos cidadãos, ao ponto de colocar em xeque um Ministro ausente no estrangeiro?

Quem vai votar neste regresso ao passado? Será que a «Pátria» precisa de um «pai», ou de alguém que respeite as regras e coloque de novo o país ao serviço dos cidadãos?

Rodrigo Adão da Fonseca