Mr. Cameron, Mr. Cameron
(A pedido de várias famílias, que exigiam um post acerca do novo líder do Partido Conservador britânico, reproduzo aqui o que hoje escrevi no meu blog.)
Ao fim de uma animada campanha, o Partido Conservador britânico elegeu como seu novo líder David Cameron, 39 anos, até agora ministro-sombra para a Educação, relegando para segundo lugar David Davis, ministro-sombra do Interior. Em fases anteriores da corrida, foram sendo eliminados (por esta ordem), Malcolm Rifkind, Ken Clarke, e Liam Fox.
À partida, David Davis era o meu favorito, logo seguido de Liam Fox. Eram os que conhecia melhor, e em geral concordava com muitas das suas posições. David Davis tinha uma agenda profundamente liberal, que na sua àrea ministerial, combinava uma interessante dureza para com o crime com um igualmente interessante libertarianismo civil. Fox, ministro-sombra dos Negócios Estrangeiros, tinha sólidas posições de política externa, e demonstrava uma sensibilidade para certas questões ditas sociais, como por exemplo questões ligadas a doentes mentais, reformados, e deficientes, sem colocar o Estado como santo milagreiro. David Cameron era alguém que via com grande desconfiança. Parecia-me uma espécie de candidato vazio, centrado únicamente na imagem e numa retórica de mudança sem qualquer implicação prática. A sua (excelente) campanha fez-me mudar de opinião.
Cameron, em vários discursos e intervenções televisivas (como os debates na BBC e no Sky, e a entrevista com Jeremy Paxman), demonstrou ter, não só uma noção dos problemas que são necessários enfrentar (as suas intervenções relativas aos desafios da globalização são um bom exemplo), como uma noção do que é necessário fazer para melhor apresentar as suas propostas. Apresentando as suas propostas de um forma que coloca a sua candidatura numa posição que não permite que esta seja considerada uma candidatura da "esquerda" ou do "centro" do partido, como aliás a de Davis dificilmente pode ser catalogada como a da "direita". Na questão europeia, Cameron era bastante mais radical, por exemplo. Mas foi uma campanha que, progressivamente, foi convencendo muita gente. E este é um factor a ter em conta, pois vai ser necessário convencer muitos mais para que os tories possam faltar ao poder (ainda para mais, sabendo que os Tories precisam de muitos mais votos que o Labour para conseguirem ter o mesmo número de deputados). É verdade que David Davis tinha uma agenda que ia, no seu essencial, no sentido daquilo que por aqui se defende. Mas cometeu um erro grave ao, quando propôs um corte de impostos, ter atribuído (a quatro/cinco anos das eleições) um valor concreto a esse corte. Para um partido que tem (ainda) problemas de credibilidade, atitudes dessas têm apenas um consequência: provocam a desconfiança do eleitorado. Cameron percebe isso. Por isso defendeu um ideário, um conjunto de ideias (bastante claras, e não apenas algo vago) que irão ser o alicerce da estratégia dos Tories nos próximos anos, sem fazer promessas que não poderão mais tarde ser cumpridas. E mesmo as diferenças de política relativamente a Davis, nomeadamente quanto à possível adopção de vouchers, são mínimas. Isto para além do facto de ser um elemento muito próximo de Cameron, George Osborne, o grande defensor da adopção do flat-tax. Muito simplesmente, qualquer um dos dois candidatos finais seria do meu agrado. E o próprio Liam Fox seria, do meu ponto de vista, uma excelente escolha. O que estes últimos meses de campanha no Partido Conservador demonstram é, essencialmente, que os Tories são, de novo, um partido intelectualmente interessante.
No entanto, o mais díficil começa agora. Amanhã, Cameron terá já de enfrentar Tony Blair no debate semanal nos Comuns. E terá de, nos próximos dias, formar o governo-sombra. Seria importante, para a eficácia e para a credibilidade do seu partido, que conseguisse reunir todos os grandes valaores do seu partido em seu redor. Que consiga ter David Davis e Liam Fox em lugares relevantes. Que consiga o regresso de William Hague, e trazer para a linha da frente gente de valor como David Willetts ou Alan Duncan, e gente nova como Osborne ou Julie Kirkbride (jovenzinha que um dia vi no Sky e me levou a apontar o seu nome para não me esquecer, de tanto gostei do que tinha dito). Uma coisa é certa. Tem condições que, desde Thatcher, nenhum outro teve. Resta aproveitá-las. Pelo que vi hoje, vai conseguir.
por Anónimo @ 12/06/2005 10:03:00 da tarde
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