4.11.05

Sinais de fumo (4)

Uma sociedade que olha o seu próprio vazio é o retrato desta França fragmentada por noites de motim. Desta vez não é “lá na América” onde é suposto que tudo aconteça mas no coração da Europa civilizada. Agora, depois de anos de sinais de alarme ignorados chega a crónica de uma crise anunciada. Que ninguém faça ares de surpresa. A história da violência urbana nos arredores de Paris já tem pelo menos duas décadas de existência. O estranho é como conseguimos viver, nestas nossas cidades e sociedades organizadas, neste convívio podre com a exclusão, fechados nos pequenos perímetros das nossas vidas privadas. Não ameaçados, tudo ignoramos. Lá como cá os brandos costumes do comodismo mais cego, mais insustentável, sempre regressam para acertar contas.

Temos e teremos, também cá, aquilo que merecemos. A proporção inédita que começa a tomar o fenómeno dos motins nocturnos de Paris é o retrato da nossa própria falência, da nossa incapacidade em produzir sociedade - e também cidade, porque o urbanismo também passa por aqui.
[a barriga de um arquitecto]