14.10.05

Mandela, Arafat, Guevara

The lack of agreement on a definition of terrorism has been a major obstacle to meaningful international countermeasures. Cynics have often commented that one state's "terrorist" is another state's "freedom fighter".

Ainda baseando-me nessa fonte, destaco também a sugestão de A. Schmid (1992) como ponto de partida para definir terrorismo a partir do consenso acerca dos crimes de guerra. Ataques deliberados a civis, tomada de reféns e matança de prisioneiros, em tempos de paz, seriam atos de terrorismo.

Em 1937, a Liga das Nações propôs que se considerassem como atos de terrorismo os atos criminosos dirigidos contra um Estado com a intenção de criar um estado de terror em pessoas particulares ou um determinado grupo ou o público geral. Uma resolução das Nações Unidas de 1999 reitera que ações dessa espécie são injustificáveis, independente das considerações políticas, filosóficas, ideológicas, raciais, étnicas, religiosas ou de qualquer outra natureza que possa ser invocada para justificá-las.

Isto posto, como fui recentemente "desafiado" a escrever um texto afirmando que Nelson Mandela é um terrorista igual a Arafat e Guevara, procedamos à questão. Contudo, devo esclarecer que os termos em que a desafiante procurou enquadrar o assunto denotam uma certa dose de miopia. Transcrevo um trecho de um de seus comentários:
"Porque, das duas uma: ou Mandela foi um grande estadista (para mim está entre as pessoas mais importantes dos últimos tempos, a par do outro grande Papa) ou é um terrorista igual ao Guevera e ao Arafat. E laureado pelos mesmos e pelas mesmas razões que agora foi o Pinter."

Ora, as qualidades do Mandela como estadista não apagam as suas ações como terrorista. A tentativa de polarizar a questão ou é ingênua, ou é maliciosa. E afirmar que Mandela foi laureado pelos mesmos e pelas mesmas razões que foi agora o Pinter caracteriza um grave erro conceitual que não cabe a mim resolver.

A trajetória de Mandela está bem descrita na biografia disponibilizada em The Mandela Page. Se inicialmente ele optou pela estratégia da não-violência, envolvendo-se em programas de resistência passiva contra as leis injustas do regime dominante, em 1961 ele e outros líderes da ANC criaram um núcleo armado, denominado Umkhonto we Sizwe, com o objetivo de se prepararem para a luta armada. São palavras do próprio Mandela:
"At the beginning of June 1961, after long and anxious assessment of the South African situation, I and some colleagues came to the conclusion that as violence in this country was inevitable, it would be wrong and unrealistic for African leaders to continue preaching peace and non-violence at a time when the government met our peaceful demands with force. It was only when all else had failed, when all channels of peaceful protest had been barred to us, that the decision was made to embark on violent forms of political struggle, and to form Umkhonto we Sizwe...the Government had left us no other choice."

No dia 16 de dezembro de 1961, o Umkhonto we Sizwe divulgou em manifesto que:
Units of Umkhonto we Sizwe today carried out planned attacks against government installations, particularly those connected with the policy of apartheid and race discrimination.

O dia da formação do Umkhonto we Sizwe foi anunciado através de uma série de bombas contra estruturas do apartheid in Johannesburg, Port Elizabeth e Durban. Sob a liderança de Nelson Mandela, o Umkhonto we Sizwe iniciou uma campanha de sabotagens contra instalações do governo e econômicas. Um histórico do grupo armado pode ser encontrado aqui.

Os atos do grupo liderado por Nelson Mandela, independente de qualquer juízo de valor que possamos formular sobre suas justificativas políticas e raciais, enquadram-se perfeitamente na definição de "atos criminosos dirigidos contra um Estado com a intenção de criar um estado de terror em pessoas particulares ou um determinado grupo ou o público geral".

As qualidades de Nelson Mandela como estadista e o valor das conquistas que ele proporcionou a seu povo são inegáveis, porém não apagam o fato de que ele liderou um grupo que praticou atos de terrorismo – o que o define como um terrorista.

Com relação a Yasser Arafat, lemos na biografia fornecida pela própria NobelPrize.org:
In Cairo, before he was seventeen Arafat was smuggling arms to Palestine to be used against the British and the Jews.
(…)
In 1958 he and his friends founded Al-Fatah, an underground network of secret cells, which in 1959 began to publish a magazine advocating armed struggle against Israel. At the end of 1964 Arafat left Kuwait to become a full-time revolutionary, organising Fatah raids into Israel from Jordan.
(…)
Arafat developed the PLO into a state within the state of Jordan with its own military forces. King Hussein of Jordan, disturbed by its guerrilla attacks on Israel and other violent methods, eventually expelled the PLO from his country.

Novamente, fica claro que os atos de Yasser Arafat, já desde a sua juventude e posteriormente como líder da Al-Fatah, enquadram-se na definição de "atos criminosos dirigidos contra um Estado com a intenção de criar um estado de terror em pessoas particulares ou um determinado grupo ou o público geral". Isso o define como tendo sido um terrorista.

Quanto ao Che Guevara, no texto Ten Shots at Che Guevara, de Alvaro Vargas Llosa, recentemente mencionado neste blog:
He executed many innocent people in Santa Clara, in central Cuba, where his column was based in the last stage of the armed struggle. After the triumph of the revolution, he was in charge of "La Cabaña" prison for half a year. He ordered the execution of hundreds of prisoners—former Batista men, journalists, businessmen, and others.

Também de Alvaro Vargas Llosa, no texto The Killing Machine:
(…) during the armed struggle against Batista, and then after the triumphant entry into Havana, Guevara murdered or oversaw the executions in summary trials of scores of people--proven enemies, suspected enemies, and those who happened to be in the wrong place at the wrong time.
(…)
In January 1957, as his diary from the Sierra Maestra indicates, Guevara shot Eutimio Guerra because he suspected him of passing on information: "I ended the problem with a .32 caliber pistol, in the right side of his brain.... His belongings were now mine." Later he shot Aristidio, a peasant who expressed the desire to leave whenever the rebels moved on. While he wondered whether this particular victim "was really guilty enough to deserve death," he had no qualms about ordering the death of Echevarría, a brother of one of his comrades, because of unspecified crimes: "He had to pay the price." At other times he would simulate executions without carrying them out, as a method of psychological torture.

Esta postagem já está ficando demasiado extensa e neste ponto peço desculpas novamente por ter me excedido, mas acredito que as informações acima deixam claro que os atos de Ernesto "Che" Guevara encaixam-se perfeitamente na definição de "atos criminosos tencionados ou calculados a provocar um estado de terror no público geral, em um grupo de pessoas ou pessoas particulares por propósitos políticos", que as Nações Unidas consideram como sendo injustificáveis independente das considerações políticas, filosóficas ou ideológicas que possam ser invocadas para justificá-las. Os atos de Che Guevara envolveram "ataques deliberados a civis e matança de prisioneiros" em tempos não caracterizados como sendo de guerra. Isso o define como tendo sido um terrorista.

Naturalmente, Mandela, Arafat e Guevara são diferentes em seus contextos históricos e políticos, porém os três têm uma coisa em comum: praticaram atos de terrorismo (e não sou eu quem o diz, são as Nações Unidas). Mandela e Arafat têm outro ponto em comum: foram laureados com o Nobel da Paz.