7.6.05

Música portuguesa por decreto

A Assembleia da República deve aprovar quinta-feira na generalidade os projectos de lei do PS, PSD, PP, CDS[sic] e BE sobre a fixação de quotas de música portuguesa nas rádios, após o consenso que ontem se gerou entre os deputados. O Partido Socialista defende uma quota obrigatória entre 20 a 40 por cento nas rádios nacionais, regionais e locais, subindo para os 60 por cento no operador público (no primeiro programa), a RDP. O PSD propõe que nas rádios de serviço público a música portuguesa preencha um mínimo de um terço da programação musical diária, enquanto o CDS estabelece 50 por cento nesse caso. O PCP defende um mínimo de 60 por cento da "totalidade de música portuguesa para a difusão de obras musicais criadas ou interpretadas por portugueses" e diz que a quota deve ser estabelecida pelo governo por um período de dois anos. A proposta do BE estabelece um mínimo de 40 por cento de música portuguesa na totalidade da música que passa nas rádios. Caso sejam aprovados, estes projectos baixam depois à comissão para discussão na especialidade.

[in Público (conteúdo pago), via A Arte da Fuga]

Sobre este assunto já escrevi, em Setembro de 2003, no Tempestade Cerebral. Transcrevo, a seguir, parte do meu primeiro post.

Supondo que o projecto-lei do PS - ou qualquer projecto semelhante - é aprovado, poderá a música portuguesa ser beneficiada?
A minha resposta é NÃO!###

O gosto musical do consumidor de rádio não pode ser alterado por decreto. Aos ouvintes que não apreciam a qualidade da maioria da música portuguesa, a alternativa será, entre outras, optar por ver televisão (MTV?) ou ouvir os CDs das bandas estrangeiras preferidas (adquiridos de forma legal ou... ilegal - MP3?).

Ao perder "clientes", o mercado radiofónico perderá as receitas de publicidade das empresas interessadas nesse segmento. Desta forma, uma estação de rádio não-pública tentará quebrar a "lei" ou será forçada a "desligar microfones" (falência, para quem não percebeu!!!) sobrevivendo apenas aquelas que, hoje, já têm uma base de clientes fiéis à música portuguesa.

Os músicos portugueses também não conseguirão aumentar as vendas porque não existirá meio eficaz de atingir os potenciais novos clientes (os que preferem música estrangeira deixam de ouvir rádio!). A aplicação do projecto até pode reduzir as vendas de CDs de artistas portugueses - considerem a possibilidade de que quem compra música portuguesa o faz porque não a consegue ouvir na rádio...

Este é um projecto idiota concebido por políticos que, antes demais, deveriam conhecer como o mercado funciona.
Se existe nicho de mercado para a música portuguesa, surgirá, mais cedo ou tarde, uma estação de rádio que aproveite a oportunidade - possivelmente até já existem algumas.
A melhor estratégia para aumentar a quota de mercado da música portuguesa implica que os músicos portugueses produzam música ao gosto da maioria dos consumidores portugueses e não através de intervenção estatal.

Nota: Como contribuinte, não quero ver o dinheiro dos meus impostos ser gasto numa lei que, além de ineficiente, limita a liberdade dos portugueses escolherem a música que querem ouvir na rádio. Mas, pelo seguinte excerto do projecto-lei do PS (ficheiro doc), o mercado radiofónico parece ser apenas o começo (meu destaque):
O estabelecimento de quotas mínimas de difusão, neste ou noutros sectores, deve entender-se como uma medida excepcional, apta a corrigir situações cuja continuidade ponha em causa tão importantes valores culturais e, portanto, adaptável à evolução dessas mesmas situações.
Os "valores culturais" não podem generalizar-se (são diferentes em cada cidadão) e não podem ser definidos (estão em constante mutação).