27.5.05

O problema tal que ele é

Também a dra. Manuela Ferreira Leite elegeu o défice como "obsessão". Tomou então medidas passageiras (embora algumas extremamente gravosas), apenas para o conter dentro dos limites do PEC. Fê-lo porque estava à espera de uma mudança nas circunstâncias económicas que lhe permitissem, passados uns anos, prosseguir sem alterar drasticamente a estrutura e o volume da despesa pública. As circunstâncias não mudaram e, como era fácil de prever, a situação piorou. Agora, corre-se exactamente o mesmo risco. Temos de perceber que o défice só é um problema enquanto consequência de um outro ainda mais grave e mais profundo, que é o da dimensão e crescimento da despesa pública. Querer resolver aquele sem resolver este significa apenas uma coisa transferir a resolução para daqui a uns anos não muito distantes. Restando saber se é possível paliar a questão agora. Situação em que nem sequer se conseguirá transferi-lo para governos futuros.
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Entendamo-nos definitivamente o problema das contas públicas não se resolve cobrando novos impostos ou mais umas pingas de IVA e ISP, nem cortando despesas a eito sem eliminar o seu potencial de crescimento a prazo. Só se resolve, precisamente, eliminando este potencial. Não é fácil fazê-lo, porque exige a revisão de alguns dos programas ditos "sociais" que afectam mais gente: a Segurança Social e o sistema de saúde. Temos de compreender a gritaria do dr. Coelho: embora pareça dirigir-se ao País, na verdade tem como destinatário o PS e o seu dilema. O qual é eliminar o défice sem destruir o discurso da "confiança" nem as suas convicções socialistas, as quais exigem mais despesa e compromissos financeiros para o Estado. A excitação do dr. Coelho explica-se por esta "quadratura do círculo". E no entanto, as circunstâncias políticas deste Governo são excepcionalmente boas para realizar as reformas necessárias. A dra. Ferreira Leite actuou de forma errada, mas deve reconhecer-se que ninguém, do Presidente à oposição, lhe fez a vida fácil. Já este Governo parece estar a concitar numerosas simpatias. Desde logo, apoia-se numa maioria parlamentar absoluta. Acrescendo que o Presidente já se esqueceu que existe "vida para além do défice" (e um presidente Cavaco também o esqueceria) e o governador do banco central abandonou as suas proverbiais timidez e neutralidade para descer ao terreno da "pedagogia" indispensável às reformas, assemelhando-se cada vez mais a uma espécie de co-ministro das Finanças. Mesmo a oposição (numa atitude francamente louvável) veio afirmar-se disponível para apoiar as medidas mais difíceis.

Nem sequer Sá Carneiro alguma vez imaginou tamanha coligação uma maioria, um governo, um Presidente, um governador, uma oposição. Se nem assim se resolver o problema, resta pedir ao último que sair para apagar a luz.