5.5.05

Leitura Recomendada

O atraso português tem origem no século XIX e na primeira metade do século XX. A partir dos anos 50, e até 1973, a economia portuguesa foi das mais dinâmicas do mundo, crescendo a taxas apenas rivalizadas pelo Japão e os "tigres asiáticos". Em 1950, o rendimento per capita do País rondaria os 30% do rendimento per capita nos países mais desenvolvidos. Em 1973, andaria à volta dos 65%. Hoje, a mesma comparação coloca-nos a cerca de 70%, sendo que os 5% recuperados nos últimos 31 anos ocorreram sobretudo entre 1986 e 1992. Acresce que o desenvolvimento dos anos 50 e 60 não foi apenas económico na educação e na saúde o salto foi igualmente significativo. Se em 1974 os indicadores não eram abonatórios, em 1950 eram redondamente pavorosos.

O quadro institucional existente durante o Estado Novo não era exactamente o mais amigo do mercado e o regime não ficou famoso pelo seu pendor liberal. O condicionamento industrial e as várias regras corporativas limitavam bastante a iniciativa privada. Mas outros aspectos ajudavam a um bom comportamento económico a despesa do Estado nunca chegou a representar mais do que 20% do PIB (o que é o paraíso, se comparado com os actuais 50%), subsistiu durante todo o regime uma orientação de equilíbrio das contas públicas (de resto consagrado na Constituição de 33), a iniciativa privada (embora muito domesticada pelas instituições) era considerada o motor da economia, e o regime (também contrariamente ao que diz a sabedoria convencional) participou nos grandes movimentos de liberalização do comércio internacional, o que resultou na adesão à EFTA em 1959 e no acordo de comércio livre com a CEE em 1972.

(...)

[O] quadro institucional da nossa democracia ainda é menos amigo do mercado. Se mantivemos o essencial da abertura internacional (com hesitações durante o PREC, quando houve tentações proteccionistas), a verdade é que jamais a Constituição de 33 colocou tantos entraves à actividade privada quanto a de 76. E nunca no Estado Novo se nacionalizou cerca de um terço da economia, como foi feito em 75. Confundiu-se, durante o PREC, fascismo com capitalismo. A esquerda mais radical da época não quis instalar a democracia em substituição do autoritarismo. Quis levar o País para qualquer coisa entre a Jugoslávia socialista e a própria URSS. Se não o conseguiu, pelo menos conseguiu consagrar constitucionalmente as nacionalizações, a reforma agrária, a legislação laboral e um sistema de saúde e de segurança social que garantiram o crescimento exponencial da despesa pública e empecilhos formidáveis à actividade económica. Se alguns dos piores desses empecilhos já desapareceram, por força das revisões constitucionais, a verdade é que sobreviveram durante tempo suficiente (uma década e meia) para pesarem ainda hoje no nosso desenvolvimento. E muitos ainda persistem.

Ao contrário do que tanta gente ainda hoje inexplicavelmente diz, rever a constituição nos aspectos económicos e sociais não corresponderia a abolir a democracia e trazer o fascismo de volta. Muito pelo contrário, aqueles aspectos é que são resquícios do tempo em que não se quis instalar em Portugal uma democracia mas uma ditadura de esquerda. Eles devem-se ao PREC e não à democracia, que viveria melhor sem eles. O PREC, na confusão que estabeleceu entre o Estado Novo e a relativa liberdade económica que nele existia, destruiu a história de sucesso que era a economia portuguesa dos anos 60, e em nome disso hipotecou o futuro económico e social do País. Não surpreende que seja possível hoje, em plena liberdade de expressão, repetir a ladainha aplicada ao Estado Novo em matéria de desenvolvimento, mas devolvendo-a à democracia. Lá nos fomos desenvolvendo a passo de caracol, mas afinal continuamos a contar- -nos entre os mais atrasados, os que têm piores indicadores de pobreza, educação e saúde. E se assim é, a culpa não é da democracia, mas daquilo que nela resta do tempo em que esteve para não existir.