9.10.06

Alckmin e Lula; PSDB e PT

Tempos atrás, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e o então teórico petista Christovam Buarque reconheceram, numa declaração conjunta, que seus respectivos partidos não tinham nenhuma divergência no que diz respeito a ideologia e metas; que a única disputa ali existente era de cargos. Em qualquer país decente, essas duas belezinhas teriam sido imediatamente aposentadas da atividade política. No Brasil, receberam mimos e afagos como se tivessem acabado de recitar “Batatinha quando nasce”. Já naquela época ninguém se escandalizava ante a confissão de que a mais vistosa disputa em cartaz no circo político nacional era uma farsa. A identidade de política e farsa parecia, ao contrário, uma lei da natureza. Por que deveríamos então surpreender-nos com sua confirmação tardia?

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Ambos esses partidos, no fim das contas, vêm da mesma origem social e cultural. Nasceram do mesmo grupo uspiano intoxicado de marxismo, cujos membros menos ortodoxos, mesmo após a queda da URSS, não abdicaram em nada de seu compromisso materialista e esquerdista, no máximo consentindo numa modernização cosmética, da qual não resultou nenhuma tomada de posição efetiva contra as ditaduras comunistas e nem sequer o despertar de algum interesse, por mínimo que fosse, pelo pensamento da “direita”. Fernando Henrique, Serra, Gianotti e tutti quanti continuam tão ignorantes do conservadorismo anglo-saxônico ou da economia austríaca quanto o eram na década de 60. Que sentido faz, então, rotulá-los de “direitistas”? Como podem esses indivíduos representar, mesmo de longe, uma corrente de idéias pela qual não têm sequer um interesse teórico, um interesse intelectual, um interesse de meros leitores? O cientista Bolívar Lamounier voltou a insistir recentemente, e é o milésimo a dizê-lo: “O PSDB é uma organização de centro-esquerda.” Fazer dos líderes tucanos a encarnação da direita nacional é evidentemente uma fraude. Se perguntarmos a quem beneficia essa fraude, a resposta é óbvia: beneficia por igual aos tucanos e petistas, ajudando-os a dividir o espaço inteiro da política nacional entre a “esquerda” e a “direita da esquerda”, deslocando para o mundo do não-ser todas as forças que poderiam legitimamente reivindicar, em graus variados, o título de direitistas, conservadoras ou liberais.

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Em face desses antecedentes, a noticia dada por Mônica Bérgamo faz tanto sentido que negar sua veracidade in limine , como o faz indignado o meu caro Reinaldo Azevedo, só se explica como natural reação do homem honesto ante o temor de que sua última esperança de restaurar a ordem moral se transfigure na mais intolerável das decepções. Quando a derradeira tábua de salvação começa a nadar como um crocodilo, mostrar dentes de crocodilo e agitar o rabo como um crocodilo, o cérebro humano tende a apegar-se à idéia reconfortante de que as árvores às vezes assumem estranhas formas animais. Mas a situação do Brasil se tornou tão ameaçadora, que recuar ante as hipóteses escabrosas pode ser um meio de apressar a sua realização. Os piores instintos humanos assumem o comando justamente quando rejeitados para a escuridão do inconsciente. É melhor, pois, levar a hipótese a sério, e começar a investigá-la.

Também não há por que supor, como Reinaldo, que a notícia seja desinformação calculada para queimar a candidatura anti-Lula. Se o acordo secreto existe, e se Alckmin tomou a iniciativa de traí-lo, eis aí uma bela razão para votar em Alckmin. O princípio do ladrão que rouba ladrão vale também para o traidor paradoxal, que trai o pacto abominável dos conspiradores. Eu, que não tenho a menor apreciação pelo sr. Alckmin, confesso que, se ele fez o que Mônica Bérgamo diz que ele fez, já vejo aí um começo de motivo para admirá-lo. Num país de carneirices, pagagaiadas e macaqueações, ele terá optado por um caminho próprio, não obstante os riscos. Já não se poderá chamá-lo de “chuchu”. Ao menos do ponto de vista dos conspiradores, ele terá se transformado em pepino. Há quem goste e quem não goste de pepino. Mas ninguém dirá que é digestivamente inócuo.